sexta-feira, 29 de junho de 2012

Diário de uma professora (quinta parte)



Eu não conheci o Joãozinho, mas ele não deve ter sido uma pessoa “fácil”. Daqui a umas duas ou três postagens, vou comentar alguma coisa a mais sobre ele, a partir da leitura das anotações que fazia nas margens de livros que lia. Por incrível que pareça, ele “dialogava” com os autores, sendo seu predileto o autor português Alexandre Herculano. Nas anotações, ele corrigia, discordava, acrescentava... Veremos isso mais adiante. O fato é que ele era inquieto, exigente, para dizer o mínimo, e paramos por aqui. Isso deve ter sido um dos fatores que levou a família a tantos deslocamentos. Elisa sempre pelejando, dando aulas e cuidando dos filhos, Joãozinho descontente, irritado com a política, com os fregueses, com o lugar.

Por volta de 1910, depois de Elisa ter conseguido sua tão desejada remoção para São Paulo, Joãozinho vai para Tatuí (SP) e depois para Barretos (SP). Elisa e filhos o acompanham a Barretos, cidade localizada no noroeste do estado de São Paulo, na Região de Ribeirão Preto(*).

A cidade tem uma forte tradição pecuária, de tropeiros, e grande influência mineira. Segundo a página da Prefeitura de Barretos na internet, 70% da população tem origem em famílias mineiras. Na época em que se mudaram para lá, Barretos era uma cidade recém-emancipada, pequena, mas com um setor dinâmico em gestação: entreposto de gado gordo e magro, charqueadas e frigorífico.

Vamos ao Diário.


 Ana Wagner Wey (mãe de Elisa)


O Diário - Parte V

Joãozinho tinha o seu gabinete dentário à Rua Boa Morte, quase no centro da cidade [São Paulo]. Ele se aborrecia, porque ficava muito longe da nossa residência. Às vezes, amanhecia chovendo e ele não ia ao gabinete, porém mais tarde, o tempo melhorava e os clientes apareciam. Outras vezes, dava-se o contrário. Ele ia ao gabinete e o tempo mudava; os clientes não iam e ele ficava às moscas. Resolveu, então, ir trabalhar em Tatuí, a convite de um amigo.

Foi muito feliz nessa cidade e após 8 meses de ausência, voltou a São Paulo, trazendo algumas economias. Mais tarde, ele teve um convite para trabalhar em Barretos. Foi ver a cidade, gostou e resolvemos que mudaríamos para lá.

Barretos era, nesse tempo (1910), uma cidade nova, com luz elétrica péssima, ruas sem calçamento e, portanto, muita poeira, terra vermelha e um clima abrasador. Custei a acostumar-me ali, pois eu lecionava numa sala pequena, com 45 alunas e o sol penetrando até metade da sala. O calor era sufocante. Quando as alunas se retiravam, eu ia para o meu quarto e ficava em repouso algum tempo, pois sentia que tudo girava ao redor da minha cama. Uma ameaça de insolação! Alguns meses depois, o prédio do Grupo Escolar ficou pronto e as escolas foram anexadas.

Joãozinho teve, de início, muito trabalho no gabinete; trabalhava das 6 da manhã às 6 da tarde, com pequeno intervalo para o almoço. À noite, lecionava português a alguns rapazes.

Eu também tinha alunas à noite e entre elas, uma senhora de 60 anos, analfabeta e que aprendeu a ler em 6 meses. Um dia, disse-me ela: Dª Elisa, eu vou parar de estudar, porque a tabuada não entra na minha cabeça. Só consegui decorar até a casa do 5.

Concordei e dei-lhe o seguinte conselho: quando a senhora tiver necessidade de fazer uma conta em que tenha de trabalhar com as casas do 6, 7, 8 e 9 pode perfeitamente, olhar na tabuada.

Ela achou muita graça e disse que eu tinha razão.

Fomos muito felizes em Barretos. Lá nos demoramos 5 anos, adquirimos duas boas casas e economizamos algum dinheiro.

Romeu frequentou o Grupo Escolar algum tempo e, por política, saiu. Começou, então, a estudar piano; mas não gostava e passou para a flauta, onde fez progressos.

Quando se abriu o Grupo Escolar de Barretos, eu matriculei Romeu no 1º ano. Ele já estava alfabetizado, mas tinha uma caligrafia feia e, por essa razão, achei que devia frequentar o 1º ano. Alguns dias depois, sendo pequeno o número de alunos no 2º ano, o Diretor levou Romeu e outros alunos do 1º para o 2º ano.

Quinze dias mais tarde, o professor do 3º ano, precisando completar o número de alunos de sua classe, foi buscar Romeu. E assim, em 1 mês, ele passou do 1º para o 2º e do 2º para o 3º ano.

Lúcio e Olga também foram alunos do Grupo Escolar, onde eu lecionava. Fui sempre professora de 1º ano, no qual me especializei. Trabalhei 31 anos como professora e, oitenta por cento, fui professora de 1º ano.

Em 1913, nasceu Dulce, em Sorocaba. Nessa ocasião, Joãozinho insistiu para que eu abandonasse o magistério; mas eu, que sempre trabalhei por vocação. Não concordei. E fiz muito bem, pois hoje tenho um bom ordenado como professora aposentada e não dependo de ninguém.

Compramos em Barretos duas casas, em frente ao Grupo Escolar. Fomos morar numa e a outra alugamos a uma fazendeira que acompanhava duas netas, um neto e uma bisneta. Todos eles eram meus alunos particulares. Era uma família muito distinta e bondosa. Olga afeiçoou-se muito a uma das meninas – América.

Um dia, Olga, que contava 6 anos de idade, veio a mim e disse: Mamãe eu quero me batizar e desejo que América seja minha madrinha (os nossos filhos não eram batizados, porque Joãozinho se opunha). Respondi-lhe: isso é com seu pai. Ela, então foi à sala, onde o pai lia os jornais, e fez o mesmo pedido. Ele respondeu: isso é com sua mãe. Quando Olga voltou a falar comigo, Joãozinho veio atrás dela e disse-me: “sei que você quer muito batizar os nossos filhos, pois eu não me oponho”. Que alegria!

Os batizados foram efetuados 15 dias depois e eu comuniquei o ocorrido à Mamãe que chorou de alegria, pois ela não se conformava de ter netos pagãos. Mamãe era uma santa criatura, de uma bondade sem par e, respondendo minha carta, dizia: “Elisa, a minha alegria ao saber que os netos foram batizados, foi tão grande que chorei copiosamente e abençoei você, seu João e as crianças.”

No ano seguinte ao do nascimento de Dulce, perdi papai: morreu de repente, de uma angina pectoris. Eu não pude vê-lo, pois a distância de Barretos a Sorocaba é grande e naquele tempo não havia trens noturnos. Mesmo que houvesse, eu não chegaria a tempo para o enterro.

Minha irmã Júlia e meus irmãos João e Cornélio eram ainda solteiros quando Papai faleceu; de modo que Mamãe conservou-se na mesma casa até casar todos os filhos. Daí em diante, desmontou a casa e passou a viver conosco.

Cid [o quinto filho de Elisa], também nasceu em Sorocaba e, quando estava com 40 dias, pedi minha remoção de Barretos para Avaí (SP), localidade próxima de Bauru. (continua na próxima semana).


Vista de Barretos, SP (Fonte: Prefeitura Municipal)
 
Notas:
 
(*) Barretos, SP

Histórico

O alferes João José de Carvalho e Antônio Francisco Diniz Junqueira, vindos de Minas Gerais, foram os primeiros desbravadores da região compreendida entre os rios Grande, Pardo e Cachoeirinha.

O primeiro formou a fazenda Palmeiras, banhada pelo ribeirão do mesmo nome e Antônio Francisco tomou posse das terras às margens do rio Pardo, criando a fazenda Pitangueiras.

Como capatazes dos colonizadores, vindos também de Minas, tomaram posse das terras à margem esquerda do ribeirão Pitangueiras, Francisco José Barreto e seu irmão denominaram essa gleba de "Fortaleza".

Após a morte de Francisco José Barreto, em 1848, seus filhos, auxiliados por um vizinho, Simão Antônio Marques, construíram uma capela sob a invocação do Divino Espírito Santo, em torno da qual foram se fixando novos moradores.

Em 1874, com a criação da Paróquia do Divino Espírito, no Arraial "dos Barretos", foi também instituída a Freguesia. Espírito Santo de Barretos passou a Município em março de 1885, alterando seu nome para Barretos em 06 de novembro de 1906, conforme Lei nº 1021. Durante sua evolução histórica, o grande território foi sofrendo inúmeros desmembramentos, quando seis Distritos sob sua jurisdição foram elevados a Município.

Fonte: IBGE
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

O clima de Barretos:
O clima do município é predominantemente quente e seco. No verão são registradas temperaturas médias que variam entre 30 e 38 graus, no inverno a variação média cai dos 13 aos 20 graus.


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