domingo, 24 de junho de 2012

O Diário de uma professora (parte IV)

Elisa e netos, na década de 1930


Formada em 1901, como professora primária, Elisa Wey voltou a Conchas (SP), onde morava sua família, e tornou-se a primeira professora da cidade. Foi aí que se casou com João Gonçalves Muniz Barretto, o Joãozinho, e onde nasceu seu filho mais velho: Romeu. Logo depois, Joãozinho resolve ir a São Paulo estudar e Elisa, sentindo-se só, pede remoção para Santa Isabel (SP), cidade mais próxima da capital. Vamos ao Diário.

Diário de uma professora - Parte IV

[Longe do Joãozinho, que estava em São Paulo estudando, e com dois filhos pequenos (Romeu e Lúcio), Elisa pede sua remoção de Conchas. As regras de transferência da época não permitiam que fosse para a capital. Vai, então, para o município de Santa Isabel, próximo de São Paulo, com muita tristeza por ter de deixar Conchas, a família e as alunas].

Com duas crianças, como poderia eu lecionar numa cidade onde não tinha sequer uma pessoa conhecida?

O transporte de São Paulo a Santa Isabel (*) era feito do seguinte modo: de trem até Poá e daí até a cidade, em carro de bois – doze horas. A mudança foi toda em lombo de burro, da Avenida Celso Garcia até lá – 3 dias.

Resolvemos, então, que minha sogra me acompanharia até o fim do ano, ocasião em que Joãozinho terminaria o seu curso de odontologia.

A minha vida tornou-se então mais laboriosa, com dois filhos e a escola. Eu deveria, logo que Joãozinho se formou, deixar a escola que muito tempo me tomava; mas em Santa Isabel, cidade paupérrima, não poderia viver com o que ele ganhasse no gabinete dentário, pois os clientes eram raríssimos e queriam pagar, por uma extração, uma dúzia de ovos ou um frango. Nesse tempo, uma dúzia de ovos custava 400 réis e um frango 500.

É verdade que pagávamos 15$ de aluguel de casa e tudo era muito barato. O meu ordenado era de 255$, muito dinheiro nessa ocasião (**).

Virgílio, meu mano, também professor, a nosso convite, resolveu pedir e conseguiu uma remoção para Santa Isabel. Ficamos em família (ele era casado com Nenem, minha cunhada duas vezes, pois ela era irmã de meu marido).

Como Joãozinho tinha pouco serviço em Santa Isabel, veio trabalhar em São Paulo, nas Classes Laboriosas (***).

No dia 3 de janeiro de 1909, nasceu aqui em São Paulo (eu estava de férias) nossa filha Olga e eu, com 20 dias apenas após o parto, regressei a Santa Isabel, pois as férias haviam terminado. Com que dificuldade lutei: nessa ocasião, com 3 filhos pequenos e precisando sair para lecionar! Só eu sei os apuros por que passei.

Olga foi uma criança muito bonita e boazinha, porém, ao completar 10 meses, ficou muito doente e eu tive necessidade de pedir uma licença afim de vir a São Paulo, para submetê-la a um tratamento.

Esteve muito doente a nossa filhinha, esteve às portas da morte, com uma gastro-enterite. Felizmente, sarou. Nessa ocasião, dando muitos passos e com uma carta do chefe político de Santa Isabel ao Dr. Rubião, consegui minha remoção para aqui (São Paulo). Vim reger a 1ª Escola Feminina da 5ª Parada da Estrada de Ferro Central do Brasil. Fomos morar numa ótima casa (chácara toda arborizada) na Vila Gomes Cardim. Aí eu tinha a minha sala de aula e todo o conforto para a família.

Minha sogra e uma das minhas cunhadas moravam conosco. As crianças, isto é, Romeu, Lúcio e Olga gozavam ótima saúde e tinham muito espaço para brincar. Tínhamos galinhas e, portanto, fartura de ovos. Lúcio, com 2 anos e pouco, andava ainda de camisola. Ele ia ao galinheiro e esperava, pacientemente, que as galinhas botassem. Então, quebrando uma das extremidades do ovo, chupava-o ainda quentinho. Era um menino forte, gordo, e muito esperto. Não sabendo ainda contar além de 12, ia pondo os ovos na camisola e trazia-os para dentro de casa, dizendo: aqui estão duas dúzias e dois ovos; eram 26.

Uma ocasião, o inspetor escolar, Sr. Mariano de Oliveira, visitou a minha escola. Em dado momento, pediu-me um copo d’água, dizendo estar com muita sede. Afirmei-lhe que tínhamos água ótima, de cisterna, e fui busca-la. O Sr. Mariano tomou apenas uns goles e deixou o copo quase cheio. Terminada a visita escolar, despediu-se o Sr. Mariano e eu, intrigada, pois o homem dissera-me que estava com sede, fui examinar a água. Estava muito limpinha, mas exalava um mau cheiro. Examinei as vasilhas da cozinha que estavam com água e notei o mesmo mau cheiro em todas elas. Chamamos uma pessoa para limpar a cisterna e então foi encontrada uma cobra morta, já em adiantado estado de putrefação!(Continua na próxima postagem).



(*) Santa Isabel (SP)
Santa Isabel está localizada a 55 km de São Paulo, uma distância que, hoje, dependendo do trânsito, pode ser percorrida em cerca de uma hora.

O município de Santa Isabel localiza-se no estado de São Paulo, na região metropolitana da capital. Microrregião de Guarulhos [...]. Conhecida como Paraíso da Grande São Paulo, a cidade é uma das três localidades que possui exemplares de uma espécie da Mata Atlântica, a árvore Buchevania Igaratensis.

O nome da cidade é resultado de uma homenagem a Santa Isabel de Aragão, rainha de Portugal. O município originou-se de um povoado conhecido como Morro Grande, em meados de 1770. Após um ano de existência o povoado prosperou, utilizando agricultura e pecuária como principal fonte de renda. Devido ao crescimento da população, Morro Grande foi elevado a condição de Freguesia “Paróquia Santa Isabel”. Já em 25 de junho de 1812, tornou-se Vila Santa Isabel, posteriormente, em 1 de junho, elevou-se a condição de município, passando a se chamar Santa Isabel.
Texto: Bruna Aparecida Nascimento
Fonte: Santa Isabel on line
Disponível em: http://www.santaisabelonline.com.br/cidades/santa-isabel/

Ainda sobre Santa Isabel, na Wikipedia
Por força da Lei Estadual n° 135, de 30 de maio de 1893, a referida Vila [Santa Isabel] foi elevada a categoria de município e foi designado sede de comarca, através de Lei n° 80, datada de 25 de Agosto de 1892.
Em 18 de Abril de 1870, Santa Isabel contava com uma cadeia, uma Casa de Câmara, e, além da igreja matriz, as igrejas do Rosário e de Santo Antonio, hoje demolida.

Vista geral de Santa Isabel


Santa Isabel segundo o IBGE
Nas proximidades do rio Jaguari, afluente do médio Paraíba, em zona serrana, nasceu a localidade ao lado de uma cruz e uma capela erigida em homenagem a Isabel de Aragão, a "Rainha-Santa" de Portugal, daí a invocação à Santa Isabel.

Com o crescimento do povoado, a capela de Santa Isabel foi elevada a freguesia, em junho de 1812 e, no mesmo ano, criada a Paróquia, sob jurisdição da Vila de Moji das Cruzes. Em julho de 1832 foi criada a vila (Município), primeiramente na comarca de São Paulo e, a partir de 1852, na de Jacareí. Entre 1868 e 1938 foram-lhe anexados os Distritos de Igaratá e Arujá, hoje Municípios. Com a construção do eixo rodoviário São Paulo-Rio de janeiro e a proximidade com a Capital do Estado, o Município progrediu bastante passando a se industrializar.

População em 2010, segundo o IBGE (Cid@ades): 50.453 habitantes

(**) As moedas
Réis é o plural do nome das unidades monetárias de Portugal, do Brasil e de outros países lusófonos durante certos períodos da história (singular: real).

Conto de réis é uma expressão adotada no Brasil e em Portugal para indicar um milhão de réis. Sendo que um conto de réis correspondia a mil vezes a importância de um mil-réis que era a divisionária, grafando-se o conto por Rs. 1:000$000 ou R$ 1,000000 (sendo o real 1/1.000.000 de um conto-de-réis em representação matemática decimal atual), pois o réis tinha sua representação real-imperial em "milésimos-de-mil" contos-de-réis), sendo uma moeda de grande-valor intrínseco e imperial, com representatividade em aproximadamente oito gramas de ouro, como também assim o era a representação da libra esterlina também imperial, de então, tanto no Brasil como em Portugal e Algarves.

No Brasil, esta moeda foi substituída pelo cruzeiro, em 1942, na razão de 1 cruzeiro por mil-réis então circulantes.
Fonte: Wikipedia
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9is





Entendeu? Vamos ver um exemplo:
“Quanto era 1 conto de réis? Para quem não se lembra dos pronunciamentos do presidente Getúlio Vargas na Voz do Brasil, a quantia de 1 conto de réis pode mesmo confundir, pois a unidade monetária já era um múltiplo de mil, não havendo os submúltiplos (centavos de mil-réis). Assim: Padrão Monetário (Mil-Réis) = 1$000 Rs, com submúltiplos (Réis), exemplo: 200 Réis = $200 Rs: 1 conto de réis = 1.000 Mil-Réis ou 1:000$000 Rs (1 milhão de réis), portanto.”
Fonte: O Caixa
Disponível em: http://www.ocaixa.com.br/bancodedados/dolaranualmedio.htm

Pelo que entendi, o salário da Elisa dava para comprar 500 frangos. Quantos frangos um professor primário no Brasil pode comprar hoje com o seu salário atual?

Segundo o Instituto de Economia Agrícola (SP), o quilo do frango limpo custava, em maio de 2012, R$ 4,07. Um bom frango pesa mais de dois quilos. Vamos imaginar R$10,00.

Qual o salário de uma professora do ensino fundamental hoje? Segundo o Ministério da Educação (MEC), o piso foi definido em R$ 1.451,00. Nem todos os estados e municípios pagam este valor.  

Se você teve um bom professor ao longo da sua vida, não vai ser difícil fazer as contas.

(***) As Classes Laboriosas
Trata-se da atual Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas (AACL), fundada em 31 de maio de 1891.

Histórico (segundo a própria AACL)
"Um paciente trabalho de pesquisa que mobilizou entre outros órgãos estruturais, fontes da Secretaria Estadual da Cultura do Estado de São Paulo e do Centro de Memória Sindical, além de extensa bibliografia, abriu os caminhos que nos levou a descobrir as origens e a missão da mais antiga entidade beneficente e sem fins lucrativos do País, hoje denominada Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas. No ano de 1891, um grupo de carpinteiros e pedreiros se uniu para garantir assistência médica para suas famílias.

A proposta ia além disso. Defender os ideais trabalhistas em relação à jornada de trabalho. É preciso retroagir no tempo para atender tão justa reivindicação. O Estado republicano instalado no Brasil em 1889, em uma sociedade de traços ideológicos marcadamente escravistas, não garantia ao trabalhador outro direito que não o de ser livre para vender sua força de trabalho. Cumprindo longas jornadas que chegavam 14 horas, sem direitos trabalhistas ou outras garantias sociais, o nascente operariado brasileiro no qual se incluía um número significativo de mulheres e crianças não foi aquinhoado com os direitos de cidadão, como o do voto, proibidos às mulheres e analfabetos. Suas reivindicações eram tidas como "desordens" e sobre eles recaiam os preconceitos contra o trabalho manual do estrangeiro grande parte deles eram imigrantes italianos e pobres. Concentrados em bairros operários, em geral formados nas proximidades das fábricas, os trabalhadores desenvolveram formas de vida características, marcadas por profundos laços de solidariedade e identidade.

Em 1919, segundo pesquisas de Helio Negro e Edgard Leunroth, uma família operária de quatro pessoas gastava mensalmente, em São Paulo, cerca de 207$000 (duzentos e sete mil réis, segundo moeda da época), não incluindo gastos com diversão, condução e educação. Considerando que os salários neste ano variavam entre 80$000 e 120$000, o déficit é evidente. A situação de pobreza da maior parte dos operários paulistas pode ser avaliada pelo alto índice de mortalidade infantil e moléstias diretamente ligadas às condições de higiene alimentação, como tuberculose, ou mesmo epidemias, como a gripe espanhola que assolou São Paulo em 1918, fazendo milhares de vítimas.

A Associação de Pedreiros e Carpinteiros se reorganizou abrindo espaços para outros profissionais, razão pela qual o nome foi mudado para Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas. Se não atingiu seu ideal trabalhista, pelo menos serviu para reagir contra o descabido "caixa de empresa", que sugava os proventos dos trabalhadores quando a doença os atingia. Estes injustos descontos empurravam os trabalhadores para as Classes Laboriosas em busca de uma assistência médica digna e barata.

Dois nomes se destacaram pelo idealismo e amor às Laboriosas, Alberto Ferreira Sertié, que foi o responsável pela elaboração do estatuto e Lourenço Francisco Gomes, que adquiriu o terreno para a construção da nova sede. Sertié demonstrou estar engajado com as lutas do seu tempo e ser defensor do mutualismo, sistema que abrigou a filosofia das Classes Laboriosas, ao declarar que pretendia continuar "a prestar sua inteligência em prol desta útil Associação, com esforços redobrados para que todos os companheiros se unissem e se fizessem fortes diante da prepotência do capitalismo". No início do século as reuniões aconteciam em salões alugados ou até mesmo nas residências de associados. Folclore à parte, a casa  do tesoureiro José Lopes Calça, abrigava as reuniões das Classes Laboriosas na rua Florêncio de Abreu nº 49. O empreendedor Lourenço Francisco Gomes, pôs fim ao problema. Adquiriu o terreno para a edificação do prédio das Classes Laboriosas, na então freguesia da Sé. "O terreno era alto, seco e dele desfrutava-se belíssimo panorama", enfatizava na ocasião o responsável pela construção do novo prédio.

Rua Roberto Simonsen, 22.
Erguido em 1907, o edifício que também é chamado de Salão Celso Garcia, foi durante décadas palco de importantes acontecimentos do cotidiano da cidade de São Paulo. Durantes as duras greves e revoltas operárias que assolaram a capital nas décadas de 1940 e 1950, o prédio era constantemente usado para reuniões, discussões e negociações. No ano de 1953, que ocorreu uma grande greve, a sede das Classes Laboriosas foi considerada o grande e importante QG do movimento grevista, um marco para o movimento trabalhista brasileiro. Nas décadas anteriores, especialmente de 1910 a 1920, o elegante Salão Celso Garcia foi palco de inúmeras peças de teatro, corais e solenidades que não raro repercutiam por toda a cidade de São Paulo. Em 1910, aliás, o poeta e político Sílvio Romero falaria diante deste prédio em um importante e concorrido comício sobre a carestia de vida.


Nova Sede
No início do século XX, mais precisamente em 1907, as Classes Laboriosas construíram sua nova sede na rua do Carmo 25. Por lei municipal de 1952 o nome da rua foi mudado e o novo endereço das Classes Laboriosas passou a ser rua Roberto Simonsen, 22. As novas instalações foram ocupadas por consultórios médicos e dentários, laboratório e farmácia. Para ajudar nas despesas, o espaço restante foi alugado, instalando-se no  local o Centro Dramático e Recreativo Internacional, o Grêmio Dramático Maria Falcão e o Grêmio Dramático e Recreativo Anita Garibaldi. Uma feliz união entre o aspecto assistencial e a cultura foi fundida na mesma associação, com a participação dessas companhias teatrais. A entidade foi pioneira no Brasil a adotar o lazer (teatro, música e saraus) como terapia na cura de doenças. Só bem mais tarde, cientistas norte-americanos revelariam ao mundo a importância dessa terapia nos tratamentos de certas patologias."
Fonte: AACL
Disponível em: http://www.classeslaboriosas.com.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1

 Família do Joãozinho. Sentado, à direita, o pai, Emílio Maurício de Faniz Muniz Barretto, 
e a mãe, Ana Jacinta da Silveira (à esquerda).


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