quinta-feira, 28 de julho de 2011

A escrivaninha

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Quando eu era criança, dividia um quarto com meu irmão. Um dos presentes que mais nos encantou na infância foi justamente uma escrivaninha colocada no nosso quarto. Era uma daquelas antigas, de madeira, porém simples, sem desenhos ou entalhes. Tinha três gavetas laterais e uma gaveta maior sobre um vão onde se encaixava a cadeira.

Meu irmão e eu decidimos dividir as gavetas entre nós. Após certo esforço matemático complexo para nossa idade, cerca de 6 e 7 anos, resolvemos que cada um ficaria com uma gaveta lateral, exclusiva, e usaríamos em comum as restantes, principalmente a central. Nesta, colocaríamos objetos como lápis, borracha, um furador de papel, que nunca usamos, e algumas inutilidades que a memória não arquivou. As individuais seriam usadas para guardar objetos pessoais: canivete, revistas em quadrinhos, jogos, dados, estojos, cadernos e outras coisas assim.

O móvel era mágico. Sentar ali era como entrar num mundo diferente, superior, que nos dava uma força intelectual descomunal. Na verdade, nos sentíamos importantes, capazes de descobrir palavras novas, de encontrar soluções para os grandes problemas do mundo, de elaborar frases inteligentes, de brincar com os números e com equações sofisticadas. Ficávamos estimulados para estudar. Acho que foi um bom truque dos meus pais no começo da nossa vida escolar.

A escrivaninha ganhou importância maior quando acomodou os nossos primeiros livros, que, aos poucos, foram chegando. Nem sei qual foi o primeiro. Deve ter sido o Caçadas de Pedrinho; depois chegaram Peter Pan, Robinson Crusoé, Tarzan, os Grimm, os Andersen (O patinho feio, O soldadinho de chumbo... Que delícia!), e não parou mais.

No começo, cabiam todos sobre o tampo, até que foi preciso inventar uma estante, foi preciso estabelecer uma sequência, inventar uma lógica para arrumar os volumes. Passamos a estudar qual a melhor disposição, como acomodá-los de modo adequado, segundo nossas concepções, nossos valores de então.

Percebemos que ler não era só uma questão de alfabetização, mas de cuidado com os livros, da existência de um local apropriado para fazer a leitura. Entendemos que livros não eram tudo na vida. Percebemos que os livros não existiam por si sós, mesmo sendo único cada exemplar. Entendemos a necessidade de compartilhá-los entre nós. De ler e comentar, de ler e recomendar, de sonhar e de criar nossas próprias fantasias a partir do que líamos.

Um dia, crescemos. E a escrivaninha? Desapareceu. Os livros não. Adultos, cada um de nós levou seu quinhão na partilha dos nossos despojos infantis, para depois acrescentar outros. Ainda hoje, uma das coisas de que mais sinto falta, além de um bom local para leitura — embora seja capaz de ler em qualquer lugar do mundo, até de pé, no meio da rua mais barulhenta do planeta —, é de interlocutores, de alguém com quem comentar uma boa leitura.

A escrivaninha se perdeu no tempo, talvez consumida por cupins, talvez tenha se transformado em outro móvel, talvez tenha virado lenha para esquentar comida de algum pobre faminto. A nós, ajudou a nos alimentarmos de conhecimento e de sonhos.

terça-feira, 12 de julho de 2011

As árvores e nós

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Certos fatos e acontecimentos surgem na minha memória sem quê nem por quê. Um deles me lembra aquela cena do cachorro que morde o próprio rabo e corre em círculos, dando voltas em torno de si mesmo. O pobre coitado deve imaginar que algum outro cachorro lhe morde o rabo, então ele não abre os dentes e gira sem parar, sem saber quem é quem na história. Corre atrás dele mesmo.

Assim são algumas sociedades: giram em círculo, sem saber exatamente que estão mordendo o próprio rabo. E não sabem quem começou, quando e porque se iniciou o processo.

Pensei nisso quando olhava encantado para um grande ipê roxo no meio de uma pastagem deserta. O ipê estava florido, imponente, carregado de lindos buquês, sem uma única folha, e o chão ao seu redor também estava colorido de roxo. Parecia um cenário montado, um arranjo de festa. O ipê dominava a paisagem. Era a única árvore.

Esta é a questão, a solidão da árvore. Olhei bem para um cenário quase vazio, para esta resistência anarquista, e me perguntei: onde estão as outras árvores? Por que este ipê insiste?

O fim das árvores surge sem que muita gente sequer perceba. Ou, se percebe, não diz, não olha, não ouve.

No começo, derrubaram uma ou duas. Depois mais, mais e mais. Derrubaram para fazer casas, currais, pontes. Derrubaram para fazer fogueiras, para esquentar comida, para cozinhar pedras. Desmataram para fazer lavouras, para implantar pastos. E não pararam mais. Uma, duas, milhares. Aos poucos, ou muitas de uma vez só. Com fogo, com produtos tóxicos, com máquinas.

Muitas morreram, sem que nunca se tenha chegado à causa da morte. Acho que morreram de solidão. Árvores não gostam de viver só. Precisam de companhia, de outras árvores e de bichos, de toda espécie: insetos, mamíferos, aves..., como os humanos também precisam.

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As pessoas ainda dizem: “uma só, não vai fazer falta.” Ou então: “melhor é ter o que comer, é poder criar gado e plantar grãos.” E desta forma, elas estão desaparecendo. Não se pode afirmar que é algo que acontece às escondidas. Não, até estatísticas criaram para noticiar seu desaparecimento: “região perde duzentos campos de futebol de mata”. Ou ainda: “desmatamento cresce 50% no norte do país”. Alguém pode alegar inocência ou desconhecimento do fato?

Muitas pessoas brigaram por elas, mas foi inútil. E não foram poucos os que morreram por defendê-las. Caíram também, abatidos, derrubados, apeados violentamente de sua luta.

Quando já era tarde, tentaram plantar, replantar, mas boa parte do conhecimento necessário para fazer com que vigorassem e aumentassem já se perdeu. Plantam em época errada, sem chuva, sem proteção, sem sabedoria alguma. Plantam, quando o fazem, como se cuidar de uma vida fosse algo mecânico, automático, algo simples, e não é. Confundem as coisas ao imaginar que uniformização seja a solução. E muitos não plantam árvores, matas, mas criam desertos, áreas estéreis. Ainda há perspectivas, muitos estudos e práticas tentam reverter a situação.

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E aí está o ipê roxo a nos indagar qual será o nosso destino sem sua sombra, sem suas raízes, sem seu tronco para nos apoiar. Bravo, ele ainda resiste, ainda consegue nos encarar e afirmar: “corram em círculo e vocês não vão chegar a lugar algum.”

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O fim do livro

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Impossível ficar indiferente diante do debate acerca do futuro do livro. Vai desaparecer? Vai mudar de formato? Vai existir para sempre? Quantas perguntas! Quantas dúvidas!

Vai desaparecer. Um dia, provavelmente, vai desaparecer. Não é preciso ser muito esperto para perceber que o livro, desde que surgiu, mudou muito. Já foi um rolinho, já foi de papiro, já foi manuscrito, já foi encapado com ricas capas de couro bordadas a ouro, já foi de pano, de plástico e, hoje, existe também no formato digital, ou como livro eletrônico, frequentando o cada vez mais amplo círculo dos equipamentos eletrônicos, como os notebooks, os iPads, os e-books, os cartões de memória, os CD-roms e os pen drives, dentre outros. Nem ouso citar suas possibilidades enquanto arquivo digital, pois são tantas...

É tentador fazer uma comparação com a música e suas inúmeras formas de reprodução e registro, que não a voz humana pura e simples e os instrumentos tocados ao vivo, sem falar no rádio. Antes, foi o tempo dos fonógrafos e dos cilindros, depois vieram os famosos 78 rotações, grossos, rígidos, limitados e os gramofones. Depois surgiram os LP, ou long plays, em 33 rotações, com maiores possibilidades em termos de conteúdo e qualidade da reprodução. Em seguida, num movimento rápido e surpreendente, apareceram as já anacrônicas fitas cassetes, os CDs e os MP3, os MP4... A indústria fonográfica já anunciou o fim do CD de música para algo em torno do ano de 2020. Não gosto de profecias, mas esta é de difícil contestação. A música não vai acabar, com certeza, o que vai mudar é o meio de reprodução.

Assim como a música não vai desaparecer, o livro e a leitura também não. O que vai mudar é o seu formato. E depois de mudados, continuarão mudando, para formas que sequer imaginamos nos dias de hoje. Por que não?

Mas existem diferenças entre as formas de reprodução da música e das ideias, via leitura, que não podem ser deixadas de lado. A música, desde que não seja ao vivo, precisa sempre de um meio mecânico ou eletrônico para existir. Portanto, depende de eletricidade, de uma fonte de alimentação e de uma aparelhagem. O mesmo não ocorre com a leitura, que depende da capacidade física (visual, auditiva ou tátil), do devido letramento, portanto de cognição, e de um objeto muito simples, que não precisa de nenhuma fonte de energia para funcionar, não precisa ser ligado ou desligado, nem de qualquer tipo de aparelho para se reproduzir: o livro.

Como se sabe, o livro pode ser levado a qualquer lugar, a qualquer hora. E que seja um bom livro, bem editado, leve, gostoso de ler. Ele pode ser lido na praia, no ônibus, no banheiro, na biblioteca, nas ruas, nas praças e por aí afora... O livro eletrônico também, apesar da limitação da fonte de energia. Agora, imaginem um caro equipamento desses em dois momentos ideais para uma boa leitura: na praia, junto de um baldinho de areia e outros apetrechos típicos, ou numa cabana, em um fim de semana de pescaria.

Da minha parte, eu sinto o sono vindo e o livro deslizando suavemente pelas minhas mãos até pousar no meu peito. Fecho os olhos e apago. Quando acordo, quem está no chão, quietinho, em perfeito estado, aguardando, sem maiores traumas, o reinício da leitura?

O livro, tal como o conhecemos hoje, vai desaparecer, mas antes vai conviver por muitos e muitos anos, talvez por um tempo geológico inalcançável à nossa vã existência, com outros formatos. Boa leitura e bons sonhos.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A autonomia da Universidade está ameaçada

Hugo Maciel de Carvalho* e Renato Muniz Barretto de Carvalho**

“(...) quero deixar bem claro que o meu protesto contra as arbitrariedades que vêm sendo cometidas pela polícia contra universitários e contra a Universidade, arbitrariedades que constituem mesmo um atentado contra as idéias, em nome das quais, como se publica, foi desencadeado o movimento vitorioso.” Paulo Duarte em carta ao Jornal O Estado de São Paulo, em 15/05/1964.

Um estudante da USP foi assassinado com um tiro na cabeça na noite de ontem dentro da Cidade Universitária, zona oeste paulistana.

Folha de São Paulo – 19 de maio de 2011.

Após o primeiro caso de roubo seguido de morte ocorrido na Cidade Universitária, o reitor da USP, João Grandino Rodas, cobrou maior presença da PM no campus.

Folha de São Paulo – 20 de maio de 2011.

Em carta à reitoria, os estudantes alegam que a perda do colega "escancara" a necessidade de discutir o problema da insegurança dentro da Cidade Universitária.

No texto, reclamaram da iluminação ruim, da pouca quantidade de vigias -60 divididos em dois turnos-, mas em momento algum pede a presença da PM no local.

As reivindicações serão levadas ao Conselho Gestor. A presença da PM no campus será tema de debates de alunos na próxima semana para que se firme uma posição. O assunto divide estudantes.

Folha de São Paulo – 20 de maio de 2011.

A história das tensas relações entre a repressão policial e a comunidade da Universidade de São Paulo é antiga. Remonta aos anos 1940, segundo “O Livro Negro da USP” (1978). Mas foi nos anos 1960, à época da transferência de algumas unidades acadêmicas para a Cidade Universitária, no Butantã, que estas relações deixaram “marcas profundas” (O Controle Ideológico na USP (1964-1978)). Neste momento é que foram construídos novos prédios para cursos que antes eram espalhados pela cidade. Restaram algumas unidades no centro da cidade de São Paulo, dentre elas a Faculdade de Direito, (no Largo de São Francisco), a Saúde Pública, a Medicina e a Enfermagem (todas praticamente no mesmo quarteirão), a Maria Antônia, sem faculdades, o prédio da pós-graduação em Arquitetura, na Rua Maranhão, e o Museu Paulista (no Ipiranga).

Anos depois da construção do campus, a ditadura militar desabou sobre o país e alguém teve, em 1970, a “grande” ideia de colocar a Academia de Polícia na entrada da Universidade.

O problema é que a Universidade (não só a USP) sempre existiu fundamentada em três princípios: liberdade acadêmica, liberdade intelectual e autonomia (acadêmica, intelectual, administrativa, etc.).

A Universidade, no seu Campus de São Paulo, é uma verdadeira cidade, com prefeitura e tudo; precisa ser um local livre, independente, porque senão as ideias, a produção científica, a criatividade, o ensino não funcionam. Essa é a ideia básica original. Assim se criaram e se formaram as grandes universidades do mundo.

A filosofia por trás da universidade é a de que só pode haver conhecimento (ensino-pesquisa-extensão) com LIBERDADE; do contrário NÃO há ensino, mas adestramento, treinamento, repetição, reprodução.

Então, o dilema é: ou temos um ensino livre, autônomo, ou não temos ensino nenhum. Tanto o professor quanto o aluno só podem, hipotética e realmente, aprender num clima de TOTAL liberdade e autonomia.

As universidades no Brasil, em especial a USP, sempre se caracterizaram por trabalhar dentro dos princípios norteadores das grandes universidades do mundo. Justamente por isso a USP sempre foi o “celeiro do conhecimento” brasileiro: é a instituição que mais faz pesquisa, é a instituição que mais tem livros (mais de 1.400.000 volumes), é a instituição que mais publica periódicos, etc.

Mesmo assim, sempre se caracterizou por estar imersa em contradições. Uma delas: mesmo sendo uma universidade pública, sempre foi um local dominado pela elite econômica e social.

Por seus princípios e por suas contradições, a Universidade de São Paulo sempre foi a mais concorrida, a mais visada, mais vigiada pelas forças conservadoras e retrógradas do país e de São Paulo.

Desde antes da ditadura, sempre quiseram “dobrar” a USP, sempre quiseram “quebrar” a USP e os seus professores, alunos e funcionários mais radicais, mais libertários, mais à esquerda. Sempre quiseram submeter a USP aos interesses da elite socioeconômica paulista. E, em grande parte, conseguiram. Como? Diminuindo verbas, manipulando eleições para os cargos acadêmicos, condicionando as verbas para pesquisas aos interesses das indústrias, vigiando professores, estimulando uma “nobiliarquia” para controlar a universidade.

A USP sempre teve fama e tradição de oposição, de rebeldia, em especial a Filosofia (que ficava na Maria Antônia), a Letras, a História, a Geografia e a Ciências Sociais, seguidas pela Arquitetura, pela Geologia e pelo Direito. De um modo geral, todas as faculdades tiveram seus expoentes, seus líderes progressistas. E todas também tiveram os seus reacionários. Dentre os progressistas, a USP teve Florestan Fernandes, Mário Schenberg, João Cruz Costa, Villanova Artigas, Samuel Barnsley Pessoa, entre tantos outros.

A elite socioeconômica (paulista e brasileira) nunca ficou contente com esse pensamento progressista, nunca aceitou as manifestações ostensivas do pensamento progressista (quanto ao pensamento libertário, este jamais mereceu sequer espaço dentro da universidade), a elite nunca engoliu aulas progressistas, rejeita uma produção científica progressista, que só consegue espaço à custa de muita luta. O pensamento da elite é mais ou menos o seguinte: “se nós [eles pensam que são eles] estamos dando dinheiro para a educação, então nós temos o direito de dizer qual educação nós queremos”.

Em alguns países, mesmo naqueles em que as universidades são pagas e tudo o mais, funciona um pouquinho diferente, porque se respeita a autonomia universitária (em grande parte). Ou seja: apesar dos subsídios que as universidades recebem (ou vocês pensam que elas seriam as primeiras do mundo em ensino e pesquisa apenas com o dinheiro das mensalidades?), respeita-se a liberdade acadêmica.

Pois bem, e onde entra (ou não entra) a polícia nessa história?

Durante o regime militar, a resistência dentro da USP foi muito grande contra a ditadura. E a polícia sempre quis dobrar essa resistência. Custou muito manter a autonomia. Foram anos de crimes políticos cometidos pelas forças do Estado contra os estudantes, os funcionários e os professores. Só que a violência do Código Penal nunca foi tão comum dentro do campus como é hoje. Lá pela virada da década de 1970/1980, um caso em especial chocou: um estudante assassinou uma prostituta e jogou o corpo dela num bueiro do campus. O caso realmente chocou. Ou seja, essa violência sempre existiu dentro e fora da USP.

Furtos, assaltos e estupros (principalmente à noite) sempre ocorreram (AVISO: isto não é uma escusa, ok? Continuem lendo). Mas, pouco a pouco, com a orientação política de retirar as verbas paulatinamente, os investimentos em iluminação, em segurança, etc. foram diminuindo. Além disso, as classes médias e populares (ainda que em menor número) foram chegando, ao mesmo tempo em que parte das classes média e rica se dirigiu às universidades particulares ditas “de ponta”. Ou seja, com isso, a USP foi perdendo o interesse para a elite paulistana. Afinal, para quê investir tanto numa instituição que só causa “problemas”?

É um processo contraditório, pois a elite socioeconômica precisa do conhecimento produzido dentro da universidade pública. Então, não pode retirar tudo de uma vez. Por isso, tira dos mais pobres: dos que frequentam cursos noturnos (iluminação e segurança), dos cursos que dão menos retorno para as indústrias (Letras e demais ciências humanas “não aplicadas” reconhecidamente carecem de estrutura básica). E passa a haver financiamento pesado (via fundações ou outros mecanismos miraculosos) para cursos como Economia, Engenharia, Geologia, Medicina, Direito (desde que o pessoal faça tudo “direitinho”, conforme o script); passa a existir uma USP Leste com seus currículos contestáveis (afinal: por que mesmo não criar um curso de Direito na Zona Leste?).

Mas e a polícia? Bem, “deixaram” chegar a esse nível de insegurança, a essa “insegurança” do tipo que a mídia adora explorar, a fim de criarem (estão criando!) o clima perfeito para a entrada da Polícia. A “comunidade pede segurança”. Será que é isso mesmo? Essa é a solução? Ou essa é a solução que “eles” querem que a Universidade engula goela abaixo? Se a polícia entra uma vez, se instala, não vai sair nunca mais. E vai ser fácil controlar o que “eles” quiserem. Greve? Não pode. “Manifestação”? Não pode. Mudar algo de lugar, não pode...

Paranoia ou lições do passado? Dá pra confiar na polícia brasileira? Por que permanecem os casos de tortura? Por que “eles” têm tanto medo da apuração dos casos ocorridos no período da ditadura militar?

A solução, a ser discutida democraticamente com toda a comunidade acadêmica, seria investir na segurança interna, num sistema de transporte coletivo e saudável (mas não, porque, “afinal”, transporte coletivo é “coisa de pobre”). Investir em iluminação (mas não, porque isso é um custo desnecessário para bancar quem frequenta os cursos noturnos depois de um dia inteiro de trabalho). Investir em educação e em prevenção (mas não, porque isso é algo em que não se acredita). A elite socioeconômica (que detém o controle político do Estado de São Paulo) fatura é com o medo, e o que sabe fazer é o “controle”, a punição: são positivistas, autoritários, não gostam e não costumam ouvir nem discutir com a comunidade.

O que se quer é segurança, mas não uma intromissão da polícia no campus. As pessoas se preocupam com a situação de todos dentro do campus — alunos, funcionários, professores e pessoas não ligadas à Universidade, como os ciclistas que treinam diariamente nas ruas do Campus, como as mães das crianças que ficam na creche ao lado da Faculdade de Educação, como todas as pessoas que vendem camisetas e gibis perto do bandejão — todos os que frequentam a USP precisam de segurança, sim. Mas a solução não é entregar o controle da segurança da Universidade para a Polícia Militar.

É melhor que o campus seja mais bem iluminado, que haja um novo sistema de transporte (porque o atual é péssimo, baseado nos veículos particulares e individualizado). Mas o Estado quer é terceirizar as coisas, pois é assim que se faz caixa dois. Eles não acreditam no serviço público, pois sucatearam o serviço público; eles não querem pagar bons salários, nem contratar mais gente... No fundo, a elite socioeconômica não quer uma Universidade, mas uma “instituição carcerária”, que seja parte da “cadeia” de (re)produção do sistema.

* Ex-aluno do curso de Direito e atual aluno do curso de Letras.

** Ex-aluno do Curso de Geografia.

Também publicado aqui: http://transindisciplinar.blogspot.com/