quinta-feira, 28 de junho de 2012

Alguns plantam, outros cortam




Renato Muniz Barretto de Carvalho

Insensatos tempos ou insensatas atitudes? Da janela do meu apartamento, eu observo distraído o ritmo frenético com que trabalham os pedreiros de uma construção próxima. Eles não têm sequer muito tempo para me observar ou o que se passa nas redondezas, tão envolvidos em levantar rapidamente as paredes do prédio que constroem. Eu os vejo de esguelha, absorto em meus pensamentos, em minhas preocupações. Eu penso na obra vizinha e em outras situações.

Trata-se de um prédio pequeno, não sei ainda se de dois ou de três andares. Não vejo, até agora, nenhuma janela. Se tiver janelas, será na parte da frente. Já penso nos aparelhos de ar condicionado que, certamente, serão instalados, e nos gastos com eletricidade. Outra coisa que me espanta é que o tal prédio ocupou cem por cento da área do terreno. Isso mesmo! A totalidade do terreno. Nenhuma área verde, nenhum jardim, nem estacionamento, nenhum espaço entre os três vizinhos, nenhum afastamento. Parede com parede. Como a Prefeitura aprova uma obra assim? E olhe que a cidade tem um Plano Diretor, um Código de Edificações e uma Lei do Uso e Ocupação do Solo!

Entre os motivos de eu prestar maior atenção ao prédio em construção agora é o fato de, tristemente, constatar que uma árvore existente em frente à janela do escritório de onde escrevo essas linhas ter sido erradicada na calada da madrugada, antes de todos acordarem, a golpes de facão. Aliás, uma madrugada friorenta, já no fim do verão seco e quente que caracterizou este ano de 2012.

Dirigi um protesto e uma indagação ao infeliz funcionário, que também faz o papel de jardineiro, ou verdugo, mas ele virou-se para mim e disse: “ordens são ordens!” O síndico mandou cortar. Por quê? Não sei. Qualquer desculpa serve: a árvore está velha, a copa impede a iluminação do pátio e causa insegurança, caem folhas e elas “sujam” o canteiro, coisas assim, todas elas muito inconsistentes e que, certamente, dependem muito mais do caráter autoritário, do humor, das pressões, do desconhecimento e da maneira como se organiza o pensamento conservador e retrógrado de uma parcela da nossa sociedade com relação ao meio ambiente e à vida. Atrapalha, corta! Erradica! Extirpa! Mata!

Naquele instante, tive vontade de chamar o caminhão de mudanças e me mudar para outro lugar, mas cheguei à conclusão que teria de pedir ao motorista do caminhão dirigir até Marte ou em direção a outra galáxia.

Os dois fatos, a construção de um prédio sem um único milímetro de área verde e a derrubada insana de uma árvore, não são fatos isolados. Acontecem com mais frequência do que imaginamos. São mais comuns do que o plantio de árvores ou os investimentos em obras ambientalmente corretas.

As consequências? Enchentes cada vez mais constantes, por causa da impermeabilização, ilhas de calor nas cidades, maior gasto com energia elétrica, menos vida, menos verde (a não ser que pintem as paredes do prédio de verde!). Mais tristeza e solidão. Existem alternativas? Sim, claro! É só saber ver de outro modo, conduzir a vida de outra maneira, agir diferente, e plantar mais.

Publicado originalmente no Jornal Clarim. Disponível em:   http://www.clarim.net.br/

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