sábado, 13 de junho de 2009

Debaixo da cama

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Muitas pessoas, especialmente as crianças, procuram algo embaixo da cama. À noite, isso pode ser assustador. Pode-se encontrar muita coisa embaixo da cama. Monstros são os mais visados. Medos, sujeira e nada são as coisas mais encontradas, dentre outros objetos e situações.

Para quem tem receios, aconselho, logo ao se deitar, que se debruce na beirada da cama e dobre o pescoço, discretamente, até conseguir visualizar bem o vão existente. Não faça barulho e evite se mexer muito. Não demonstre sua intenção de olhar. Seja sutil, disfarce, movimente-se devagar. Mas, tente visualizar todo o espaço visível, veja se consegue enxergar o outro lado. Vire a cabeça em todas as direções, e, se for necessário, use uma lanterna. Se não encontrar nada, pode dormir sossegado. Mesmo assim, é preciso reconhecer, muitos não terão uma noite tranquila de sono. Nunca se sabe quando alguma coisa chegará para preencher o espaço vazio debaixo da cama.

Quantos estão nessa situação? Centenas? Milhares? Onde estão? Por quê? Respostas difíceis devido à complexidade do problema. O que os assusta? O que os preocupa?

Fantasmas foram mais comuns no passado. Hoje, parece que os fantasmas estão mudados. Pouca gente se preocupa com eles. Na verdade, deixaram de ser coletivos, sociais, e passaram a ser individuais, pessoais. Cada um tem seus próprios fantasmas, quando os tem. Assim sendo, não se pode falar muito sobre sua forma ou validar sua existência. Cada um que cuide de suas próprias criaturas. Desconfio de alguns que ainda nos assombram: o espectro do comunismo, desde 1848, ainda não foi embora, e desconfio que não vá tão cedo. Como ele assustou as pessoas esse tempo todo, mais de cento e cinquenta anos, não é algo a se desprezar. Eu, se fosse você, prestava mais atenção.

Fala-se muito no fantasma do desemprego. Se for uma questão de crença, não creio que ele se esconda debaixo da cama. De tão falado, assusta, apavora. Seu modo de agir é causar insônia, por isso o enigma não está embaixo da cama, nem em cima e nem do lado, mas nas ruas, nas empresas, na política, nos palácios. Existem os fantasmas das guerras, das bombas, do pesadelo nuclear. Quanto a estes é preciso muito juízo.

O que mais se procura embaixo da cama são incertezas, medos, dúvidas e as próprias fraquezas. Alguns medos levam as pessoas a procurarem chifre em cabeça de cavalo, debaixo da cama, é claro. Acabam falando bobagens, como no caso da violência urbana, do avanço tecnológico, das mudanças nos costumes.

Em algumas circunstâncias especiais, algo mais se esconde embaixo da cama, como os animais peçonhentos, cobras, baratas e escorpiões, mas para estes existem remédios, saneamento básico, políticas públicas. Já os demais não se eliminam tão facilmente. São coisas que persistem, assustam, incomodam. As soluções existem, mas a reincidência é grande e as recaídas são constantes. Trata-se de um problema crônico, agravado por circunstâncias recorrentes, alucinações ou delírios. Algumas pessoas emagrecem, perdem o sono, irritam-se, tornam-se agressivas e autoritárias.

Cuidado com seus sonhos ou pesadelos. Se for preciso, procure alguém para interpretá-los. Existem bons especialistas no mercado, mas cuidado com os charlatões.