sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Temporada de incêndios

No penúltimo domingo de agosto, 20-08-2017, um grande incêndio ocorreu na região do Triângulo Mineiro, atingindo vários municípios, dentre eles Uberaba, Conceição das Alagoas e Água Comprida. Diversas pessoas me solicitaram uma opinião sobre esses incêndios. Insisto na ideia de que as questões ambientais são, acima de tudo, questões sociais e, se quisermos ter um entendimento melhor sobre a realidade que nos cerca, temos de entender o contexto político e social. Eis minha colaboração:



Temporada de incêndios

Renato Muniz B. Carvalho

Os meses de julho, agosto e setembro são os mais secos na região do Cerrado do Brasil Central. Nesta época, são muito comuns os incêndios, que, às vezes, atingem grandes proporções. O Cerrado, pelo que indicam várias pesquisas, sempre conviveu com o fogo. Várias espécies vegetais deste bioma, pelas suas características, como casca grossa, raízes profundas etc., sofrem menos e logo, cerca de um a dois meses, rebrotam com certa facilidade. A partir do século XIX, diversas intervenções humanas alteram as antigas feições do Cerrado, com a introdução de muitas espécies exóticas, não necessariamente adaptadas ao clima e à biologia locais. Na segunda metade do século XX, duas importantes e significativas culturas comerciais iniciam sua predominância na paisagem do Cerrado: a braquiária e a cana de açúcar. Num espaço relativamente curto de tempo, se estenderam por vastas áreas. Ao mesmo tempo, ocorreu a aceleração do desmatamento e modificações intensas na paisagem, com a introdução de outras culturas, que substituíram ou complementaram a atividade pecuária, arroz, milho e a soja.
Este processo provocou uma perda muito grande de biodiversidade, atingindo a flora e a fauna nativas, com consequências gerais em toda a região. Da mesma forma, a urbanização, intensificada no século XX, a interiorização das atividades econômicas a partir da década de 1940 e a integração da região no processo capitalista contemporâneo de circulação de mercadorias e de valorização das comodities, acelerou as transformações, intensificando a dinâmica das mudanças sociais e a pressão sobre as pessoas, o território e o ambiente.
Disso resultou o agravamento dos chamados “problemas ambientais”, na verdade “problemas sociais”, que aumentaram no final do século XX, a partir da década de 1990, dentre eles a falta d’água para as populações urbanas, as inundações frequentes, principalmente nas cidades de Uberaba e Uberlândia, e os incêndios, cada vez maiores em todo Brasil Central. Não tenho estatísticas dos incêndios, apenas notícias frequentes nos jornais, relatos de incêndios constantes no meio rural e urbano e reclamações de produtores rurais.
Os incêndios causam prejuízos de ordem diversa. Afetam as nascentes, os mananciais, matam animais da fauna silvestre, jogam muita matéria particulada no ar, causando poluição, diminuem a biodiversidade, afetam negativamente a fertilidade do solo, ou seja, causam muitos prejuízos, afetam a saúde humana e contribuem para deterioração ambiental.
No caso de incêndio em pastagens de braquiária e na cultura da cana de açúcar, a existência de muita matéria seca, ou da palha seca, características dessas culturas, associada à baixa umidade do ar e da falta de chuva nos meses de junho a setembro, ocasiona chamas vigorosas, altas, capazes de grande destruição e temperaturas muito altas, que chegam à copa das grandes árvores, em alguns casos, pulando rios, estradas, tudo isso agravado pelo vento característico do período. Por causa disso, muitos animais não conseguem fugir das chamas e morrem carbonizados. No solo, as chamas matam insetos e inúmeros seres vivos que fazem parte daquilo que se constitui um organismo vivo, o solo, em integração vertical e horizontal, como formigas, grilos, minhocas, bactérias, fungos etc. Nas áreas de nascentes, as chamas, ao queimar a vegetação, expõem os mananciais à erosão, à poluição, à diminuição da capacidade de retenção de água e infiltração.
É preciso considerar que, em muitas circunstâncias, são os próprios produtores rurais ou seus prepostos e gerentes os responsáveis por provocarem os incêndios. Essa é uma queixa constante dos que combatem as queimadas. Trata-se de uma constatação que causa conflitos, por exemplo, na área do Parque Nacional da Serra da Canastra, cujas queimadas criminosas mobilizam valiosos recursos humanos e financeiros usados para diminuir os prejuízos ambientais.
Por outro lado, não se pode desconsiderar a ação irresponsável dos que jogam lixo, bitucas acessas de cigarro e outras péssimas atitudes que podem causar incêndios à margem das rodovias, em lotes vazios nas cidades e na beira de cursos d’água, além daqueles que, propositalmente, colocam fogo em qualquer local a seu critério, conforme sua vontade ou ignorância.
São muitos os prejuízos causados pelos incêndios, principalmente nos casos em que a degradação ambiental é intensificada. O solo queimado vai ficar exposto à ação dos raios solares, do vento e das gotas d’água que ao caírem no solo nu desagregam as partículas, até que ocorra sua possível regeneração e posterior cobertura vegetal, entretanto, o solo vai ficar cada vez mais empobrecido e fragilizado se não forem tomados cuidados e práticas como cobertura verde, compostagem etc. Os animais que conseguiram escapar das chamas estarão mais visíveis aos predadores e, como nenhum animal vive isolado em relação ao seu ambiente, ocorre um processo de desestruturação da cadeia alimentar, uma “desorganização ecológica”, incluindo a morte e abandono de pais, parceiros ou crias, e a consequente redução populacional.
O ar poluído afetará principalmente crianças e idosos, sobrecarregando a rede de atenção à saúde, gerando maior consumo de medicamentos e tristeza. O resultado não é bom, os prejuízos são muitos e significativos.
Mudar essa situação é urgente! As multas estão previstas, mas se considerarmos tudo o que já foi feito, todo o arcabouço jurídico existente e seus complexos meandros que beiram e conduzem à ineficácia, o melhor investimento a ser feito é em educação ambiental, em informação e mobilização social.

A seguir, algumas fotos recebidas de amigos nas redes sociais (Infelizmente, não tenho a autoria, caso queiram, solicito sejam identificados os autores):





Abaixo, alguns links da imprensa local (Uberaba), sobre os incêndios da temporada:







http://jmonline.com.br/novo/?noticias,1,GERAL,140025

A respeito da presença histórica do fogo no Cerrado, a Agência FAPESP publicou (11-08-2017) a notícia de uma pesquisa sobre o assunto:
 http://agencia.fapesp.br/fogo_amigo_no_cerrado/25865/







quarta-feira, 15 de março de 2017

Reunião do grupo de leitura e discussão sobre contos






Reunião do grupo de leitura e discussão sobre contos

No dia 07 de março, nos reunimos com um grupo interessado em ler e debater sobre o conto, esse gênero literário tão controverso quanto admirado por muitos leitores e estudiosos. Não há maiores pretensões, explícitas, a não ser conversar sobre autores, obras e a própria produção, se for o caso. Como não se trata de uma confraria medieval, o grupo está aberto aos que gostam de literatura, sejam escritores ou não. A reunião aconteceu na Biblioteca Pública Municipal Bernardo Guimarães e a professora e diretora do Departamento de Bibliotecas do município, Ivanilda Barbosa, esteve presente. Aguardamos novos encontros e outras iniciativas, como oficinas, cursos, feiras e conversas de boteco.





domingo, 12 de fevereiro de 2017

O lado certo da laranja







O lado certo da laranja

Renato Muniz B. Carvalho

De onde vieram as laranjas? Se alguém sabe, diga logo! Não creio que exista consenso quanto a isso. Provavelmente, devem ter surgido na Ásia, talvez na Índia, na China... Depois, foram levadas para o norte da África, para a Europa e, de Portugal e Espanha, vieram para a América. Hoje, são cultivadas no mundo todo e têm alto valor comercial. Existem mais de mil variedades espalhadas por todos os cantos. Seu suco é muito apreciado. Com a casca, minha avó fazia um doce delicioso. Azedas, doces, amarelas, vermelhas, a família dos citros chegou ao Brasil já nos primeiros anos do período colonial. Na fazenda do meu avô, era uma fruteira que não podia faltar no pomar.
Eu me recordo: laranja Pera, laranja João Nunes, a preferida do meu pai, lima da Pérsia, Valência, Saúde, Baía e da Terra, boas para doces, também chamadas de laranja de umbigo, mexericas, limão Rosa, ou China, limão Galego, o preferido da minha mãe... Cada um com seu charme, seu sabor, seu azedume ou doçura. Quanta diversidade!
Nas férias do meio do ano, o pomar ficava repleto delas. Meu avô enchia sacos para os amigos. Era motivo de orgulho poder presentear amigos e parentes com laranjas bonitas, doces, com bastante caldo.
Cada um de nós, a meninada, tinha seu próprio canivete. Canivete com bainha de couro, pendurado na cintura. Esse utensílio, tão útil numa fazenda, tem inúmeras serventias. No nosso caso, eram úteis para descascar frutas, em especial laranjas. Não foi fácil, se eu me recordo bem, aprender a descascar uma sem ferir e sem deixa-las cair no chão. Aprendizado importante! Passávamos um bom tempo experimentando, testando, errando – pois é errando que se aprende –, sabiam disso? Como a fartura era grande, não importava se não conseguíamos. Onde arranchávamos, a descascar laranjas, geralmente à sombra de uma grande árvore, o chão ficava repleto de cascas e de buchas de laranjas.
Se a fome viesse no meio da tarde, era só dar um pulo até o pomar. Ao sair para um passeio, cada qual tratava de encher seu embornal. Essa era a noção de fartura e de liberdade que tínhamos: poder chupar quantas laranjas quiséssemos. Não existiam restrições para elas, como existiam para as mangas: “manga com leite não pode, menino!”.
Era comum, ao final das tardes avermelhadas e poeirentas de inverno, nos reunirmos para conversar e chupar laranjas. Meus irmãos e eu fazíamos campeonatos para ver quem conseguia descascar uma laranja sem romper a casca. O canivete tinha de estar bem afiado, a destreza em dia, a atenção... Sem muitas responsabilidades. Nem tinha precisão! Só brincar e aprender. Os muito rancorosos com a vida é que se recusam a refletir sobre isso. Um dia, aprendi que tinha o lado certo para começar a descascar uma laranja. Sou obrigado a admitir: esqueci! Se alguém sabe, me conte.

Crônica publicada no Jornal da Manhã, 12/02/2017.


                                                                         
                                            Fotos: Mara Maciel