quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Escrituras

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Você tem alguma dificuldade na hora de escrever um texto? A maioria das pessoas tem. O que fazer? Sair correndo? Enfiar a cara num buraco? Brigar com uma folha de papel em branco ou com o teclado do computador até que um ataque de fúria ponha tudo a perder? Eu tenho a sugestão ideal: escolha uma roupa confortável, feche as janelas, tranque as portas, apague as luzes e saia de casa. Não se esqueça de levar uma caneta, ou lápis, e uma caderneta de anotações. E deixe sua casa para trás, caia na estrada. Vai, vai...

Escrever é como deixar rastros no chão de terra de uma estrada poeirenta. Pode ser que não passe ninguém, que não chova, que não vente muito e os sinais riscados vão permanecer ali por certo tempo. Pode ser que logo a seguir caia um pé d’água e a enxurrada carregue tudo, limpe tudo. Qual é a sua expectativa? Qual é a sua previsão do tempo? Chuvas e trovoadas? Tempo seco? As escolhas são muitas. Portanto, é melhor deixar algumas marcas, caminhar devagar, suave, sentindo cada passo dado. Escrever e caminhar são quase um jogo.

Jogo de dados, baralho, xadrez, sorte ou azar, tanto faz, o ruim é caminhar pesado, como se estivéssemos carregando um fardo maior do que damos conta. Você tem o olho maior do que a barriga? Minha avó gostava de dizer: “devagar, porque quem vai com muita sede ao pote termina por se afogar”. Ela não sabia nadar. Eu adoro. Mas não entro em qualquer poço, principalmente não entro naqueles em que não enxergo o fundo. Águas turvas, estou fora. Medroso? Covarde? Cauteloso? Pouco importa. Talvez...

Talvez esse jeito caipira de ser não me permita ir longe. Talvez, quem saberá? Só vou parar quando meus pés doerem bastante, o joelho estourar ou o combustível acabar. Até lá, pulo porteiras fechadas, se não tem caminho eu faço um, invento, dou a volta, passo no meio de cerca de arame farpado, subo em árvores, atravesso rios rasos e fundos. Se for preciso, dou calote no pedágio. Descubro um jeito. Vou a pé, de cavalo, de trem, de carro, de avião, de barco. Comigo não tem tempo ruim, só quando chove o dia inteiro, que nem dá vontade de sair de casa.

Casa? Não sou de me fechar em casa. Gosto do mato e das ruas da cidade, do cheiro de terra e de asfalto molhado. Aprendi com Drumonnd que quando estou na roça queria estar na cidade, e quando estou na cidade gostaria de estar na roça. Por isso meu pai diz que eu vivo na estrada. Então sou mesmo é viajante, motorista e passageiro. Inquieto, não tenho parada, só trajeto, só próximo ponto, sem chegada, só partida.

Estou sempre de partida. Escrevo para marcar o caminho, como João e Maria na floresta. Jogo migalhas de pão no chão para ver se não me perco. Não adianta nada. Parece até que não li a história direito. As migalhas somem e eu já não sei onde estou. Tenho de começar tudo de novo. E lá vamos nós, refazer roteiros, aprender como se faz, voltar para o jardim de infância, abrir as picadas que o mato acabou de fechar, cheias de espinhos e carrapichos. Precisava aprender a ler melhor o manual de instrução, as gramáticas, as antologias rodoviárias e literárias.

Literaturas, geografias, histórias, eu gosto mesmo é de olhar para trás, mas enxergo pouco. Minha vista não anda boa. O Sol me sufoca, mas a claridade da Lua também não me ajuda muito. Se eu pudesse, organizava as estrelas do meu jeito e fazia um mapa que eu pudesse ler no céu. Como não compreendo nada de astronomia, sigo meu caminho de dia. Aí eu coloco os óculos escuros e sigo adiante. Se escurecer eu diminuo a marcha. Parar não. Então, para não esquecer, eu escrevo e guardo tudo num embornal. Vez ou outra meto a mão lá dentro, que é fundo, e tiro alguma coisa que presta. Quase nunca.

Quase nunca durmo ou acordo na hora certa. Luto contra o sono para ver se consigo escrever mais um pouquinho, caminhar mais um tanto. As costas ficam doloridas, não encontro uma posição melhor, dos dedos escapam as teclas. Só me resta dormir sonhando com um texto perfeito, uma bíblia libertária, uma enciclopédia só de verbetes felizes, de amor e de sexo, de viagens maravilhosas.

Falando nisso, boa viagem. A gente se vê por aí.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Chuvas, trovoadas e o clima no Cerrado: modo de usar

Renato Muniz Barretto de Carvalho

O Cerrado costuma ter dois momentos bem marcantes: um desses momentos é chamado de “tempo das chuvas” ou “tempo das águas”, geralmente vai de outubro a abril. Como o próprio nome diz, chove muito nesta época, com chuvas torrenciais, acompanhadas de muitos raios, às vezes tempestades, que derrubam árvores e assustam todo o mundo, bichos e pessoas. A temperatura esquenta, em alguns lugares os termômetros ultrapassam a marca dos 40 graus. A partir do mês de maio já esfria bem, as frentes frias do Sul começam a vir com força, e é quando chegam as chuvinhas finas, geladas, que convidam para o aconchego de um fogão de lenha.

A outra estação é a da seca, quando chove pouco, tudo fica amarelado, seco, é claro! As pastagens, os animais e as pessoas se ressentem por causa da baixa umidade. O tempo da seca, geralmente, vai de maio a setembro, às vezes se prolongam até outubro ou novembro. É quando acontecem muitos incêndios, o ar fica carregado de poeira e o céu, nos fins de tarde, adquire tons alaranjados, até vermelhos, com paisagens e flagrantes lindos.

Parece que a maioria dos habitantes dessa região não se acostuma com as mudanças e os ritmos anuais. Como alguns reclamam! No tempo das chuvas as pessoas comentam, preocupadas, que está chovendo muito, que a chuva “atrapalha” isso e aquilo. No tempo da seca é a mesma coisa, dizem que “nunca viram um ano tão seco” e outras observações curiosas, desencontradas, tão típicas, tão características nossas.

O tempo das chuvas traz preocupações com as enchentes, com os deslizamentos de encostas, mas é o tempo da fartura, das colheitas, das pastagens verdes. O solo fica encharcado e as minas d’água – se choveu bem e elas estão protegidas por árvores, por matas, e se estão em refúgios adequados – vão abastecer os reservatórios, garantir a fartura de água nas cidades e o fluxo dos rios, córregos e riachos.

O tempo da seca traz outras preocupações, principalmente com as queimadas, mas o período sem chuvas facilita a lida no campo, pois permite que vários serviços sejam executados, permite que novas formas de vida apareçam e, de certa forma, há uma preparação para o próximo período. Se ninguém retirar ou colocar fogo, as folhas secas que caírem nessa época servirão como um importante componente de proteção para a vida do solo.

Em janeiro e fevereiro ocorrem os mais altos índices de precipitação pluviométrica. Costuma chover na metade dos dias dos dois meses, isto é, em 59 dias, 31 dias de janeiro e 28 dias de fevereiro, costuma ocorrer chuva em 30 dias ou mais. Se não vier o veranico, que é um intervalo sem chuva.

É bem diferente o que acontece em julho ou agosto. São meses secos, quando torcemos por um diazinho que seja de chuva, para aliviar a poeira e a sequidão.

No tempo das chuvas, a umidade toma conta de tudo. Às vezes, uma fina camada de mofo cobre os móveis de madeira. A roupa no varal demora a secar, os motoristas sofrem com as estradas cheias de buracos. Nas várzeas e nas encostas o medo toma conta dos mais simples, miseráveis e desafortunados. Até que as chuvas diminuem e, parece, tudo volta ao normal, sem nunca ter deixado sua normalidade, se é que a natureza tem uma norma, regras fixas. Se regras existem, não são tão rígidas quanto uns querem fazer crer. Não são.

O tempo da seca traz a possibilidade de finais de semana ensolarados e, se não esfria muito, permite ousadias nas refeições, banhos de rio e duchas deliciosas em cachoeiras escondidas. O ruim é que o tempo seco prejudica a pele dos mais sensíveis, o pó que se acumula nos móveis incomoda as donas de casa e afeta a saúde dos alérgicos. Os hospitais ficam cheios de crianças com problemas respiratórios.

Nesse período, os governos e todos nós deveríamos ficar atentos para impedir e denunciar as queimadas, o desmatamento e a poluição do ar e dos cursos d’água.

O melhor de tudo isso é saber que um dia a seca termina, que a chuva volta, que o nível dos rios sobe novamente. As árvores se enchem de folhas verdes, os pássaros cantam bastante e constroem, frenéticos, seus ninhos.

Mas, é no mês de abril que o tempo nos reserva sua melhor surpresa. A paisagem ainda está bem verde, mas as chuvas diminuem. Então, aproveite para se deitar num gramado à sua escolha, num local seguro, de preferência bem cedo, ou de tardinha, e tente ouvir o coração da Terra bater. Feche os olhos, relaxe, deixe as preocupações de lado um pouco e perceba que você faz parte deste imenso e belíssimo mundo. Se você se sentir confortável, durma, e acorde só de noite, quem sabe com a sorte de ter uma estonteante e linda Lua cheia despontando no horizonte.

Publicado também no Blog do CEA Sítio da Pedreira.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011





No final de dezembro de 2010, participei do programa de TV “Negócio Fechado” (TV Universitária – Uberaba, MG), dirigido pelo excelente jornalista Francisco Marcos Reis. Na ocasião, ganhei um belo presente: o livro “Uberaba – 100 anos de olhares e memórias”, de sua autoria. Em retribuição, entreguei ao Chico Marcos o meu livro “Os bichos são gente boa” (Giz Editorial). Conversamos sobre história, demografia, meio ambiente e política. O programa foi ao ar na quinta-feira, dia 22 de dezembro, com reprise no domingo, 25/12/2010. Acima, reproduções das capas dos livros e flagrantes da entrevista.