domingo, 22 de julho de 2012
O diário de uma professora (parte VIII)
Elisa e Joãozinho (sentados) e os filhos. Em pé, da esquerda para a direita: Cid, Romeu, Dulce, Olga e Lúcio.
Corria o ano de 1925, logo após os acontecimentos da
Revolução de 1924, que tantos transtornos trouxeram à vida de Elisa e família,
e ela consegue sua transferência para São Paulo. O termo usado na época era
“remoção”. Lembra objeto, lembra deslocar de um lado para o outro, sem maiores cuidados,
um objeto, não uma pessoa. Mas os tempos eram outros, e a língua também. Fica
registrada a estranheza com o termo “remoção”.
Estranho também, repito a observação feita antes, é perceber
o quanto esta professora andou pelo estado de São Paulo: Conchas, Santa Isabel,
São Paulo, Barretos, Avaí, Presidente Venceslau, São Paulo de novo... E não
parou por aí. Interessante é observar o quanto a estrada de ferro estava
presente nesses deslocamentos e, talvez, na própria decisão de mudar-se de um
local para outro.
Em São Paulo, os filhos cresceram, casaram-se e nasceram os
netos mais velhos. Finalmente, ela conseguiu comprar uma casa e aposentar-se,
depois de 31 anos de docência (1901 – 1932).
O Diário (parte VIII)
[“Removida” para a capital (São Paulo), Elisa e família
recomeçam a vida]. Fomos morar na Rua Cândido Vale. Como não ficava muito distante
do grupo, eu e Cid íamos a pé. Cid estava fazendo o terceiro ano primário e era
aluno de Dona Alzira. Olga, a convite de sua madrinha, foi para Barretos
lecionar às crianças da fazenda de seu Moço. Dulce ficou em casa e Romeu, que
havia se casado quando ainda estávamos em Wenceslau, veio morar conosco,
trazendo Ciloca (Esposa do Romeu) e Sylvio, seu primeiro filhinho. Dulce
afeiçoou-se muito ao Sylvio e auxiliava Ciloca a cuidar dele. Lúcio frequentava
a Escola de Farmácia e, nesse ano, devia terminar o curso. Foi um aluno muito
estudioso, inteligente e cumpridor de seus deveres.
O meu ordenado nessa ocasião, era apenas 500$ e pagávamos
250$ de aluguel de casa. Com os 250$ restantes tínhamos que nos alimentar e era
preciso que sobrasse alguma cousa para miudezas e condução. Passei a lavar toda
a nossa roupa. Foi nessa ocasião que eu e Lúcio fizemos o cálculo para saber
qual a comida que ficava mais barata. Conclusão: sopa de macarrão no caldo de
feijão.
Morávamos então na Rua Candido Vale. Da Rua Candido Vale nós
nos mudamos para Santana, à Rua Duarte de Azevedo e Romeu arranjou emprego na
Casa Bayton, trabalhando com rádio. De lá, fomos para a Rua Voluntários da
Pátria e nessa ocasião Dulce aprendeu a fazer plissê [num outro trecho do
Diário há a seguinte observação: “e ganhou algum dinheiro”.]. Olga voltou da
fazenda, tendo passado lá um ano.
Joãozinho resolveu trabalhar como dentista e, para isso,
adquiriu um ótimo gabinete dentário na Praça do Patriarca. Mais tarde,
mudamo-nos para a Rua Duque de Caxias e ele transferiu o gabinete da Praça do
Patriarca para a nossa residência, pois estávamos pagando um aluguel muito alto
para nossas posses.
Eu continuei a lecionar na Vila Gomes Cardim.
Como o aluguel da Rua Duque de Caxias era também muito
elevado, fomos procurar uma casa mais em conta. Mudamo-nos, então, para a Rua
Vergueiro, nas proximidades da Igreja Santo Agostinho. Ali nasceu a Lúcia
[filha do Romeu] e Dulce ficou conhecendo Homero, nosso vizinho.
Dessa casa [Rua Vergueiro], fomos para outra, em frente à
Creche Baronesa de Limeira.
Joãozinho vendeu o gabinete e foi clinicar em Cambará, no
Paraná. No período das férias, fui para lá com Dulce, Cid e Sylvio. Terminadas
estas, regressei somente com Sylvio, pois resolvi interromper o namoro de Dulce
com Homero. Ela era ainda muito criança (14 anos) e não queria estudar. Olga,
tendo feito um bonito exame de suficiência, já estava frequentando o 1º ano
Normal. Mais tarde eu voltei, de licença, a Cambará e Dulce resolveu
preparar-se para o Normal. Fez exame e entrou. Nessa ocasião, Cid também fez
exame e entrou para o ginásio.
[Nota escrita por Elisa: Dulce começou a namorar Homero e eu
resolvi levá-la para Cambará, onde meu velho estava clinicando. Dulce ficou uns
meses em Cambará e mais tarde tirei uma licença no Grupo e aproveitei a ocasião
para prepará-la, pois estava resolvida a fazer o curso normal. Dulce, voltando
a São Paulo, fez exames e entrou no Normal, mas continuou a namorar Homero.
Quando Olga se casou, Dulce ficou noiva do Homero].
Eu, há muito, desejava possuir uma casa própria, pois
gastávamos muito com aluguel e mudanças. Fiz o meu requerimento pedindo um
empréstimo da Caixa Beneficente dos Funcionários Públicos e logo que este foi
despachado, favoravelmente, comecei a procurar casa. Foi uma luta! O dinheiro
era muito pouco, apenas 21 contos e casa por esse preço, só muito pequena,
velha ou muito longe. Depois de muito procurar, encontrei uma no Cambuci
[antes, Elisa escreve Cambucy, com y], à Rua Hermínio Lemos, mas a proprietária
pedia 32 contos.
Finalmente, comprei-a por 28 [contos], obrigando-me a pagar
corretagem e escritura. A Caixa entrou com 21 e o restante Joãozinho mandou-me
de Cambará. O empréstimo da Caixa foi pago em 12 anos, isento de impostos. Eram
descontados do meu ordenado 230$ mensalmente e durante 12 anos.
Antes de mudarmos da Rua Vergueiro para o Cambuci, Lúcio
formou-se em Farmácia e foi trabalhar em uma fazenda nas proximidades de São
Manuel e poucos meses depois, casou-se com Eunice. Ela já estava formada em Odontologia
e trabalhava no Grupo Escolar da Lapa. Foi uma ótima esposa, a bondade em
pessoa e uma nora muito minha amiga. Morreu cedo e muito sentimos a sua
partida.
No Cambuci, nasceu Neyde [filha do Lúcio], no dia 11 de
junho e dia 24 do mesmo ano [1931], nasceu Elza [terceira filha do Romeu].
Quando Eunice faleceu, Neyde estava quase formada em
odontologia e Marina [segunda filha do Lúcio] frequentava o ginásio.
Marina nasceu em Uruguaiana, estado do Rio Grande do Sul.
Nessa ocasião, eu, Dulce e Dácio [primeiro filho de Dulce], (este com 2 anos e
meio), fizemos uma viagem, de navio, até Pelotas e de lá, até Uruguaiana, de
trem.
Quando Joãozinho veio do Paraná (Cambará) ficou algum tempo
em casa. Realizou-se, nessa ocasião, o casamento de Olga.
Dulce ainda não estava formada. Romeu, Ciloca e filhos
continuavam a residir conosco. Mais tarde, Joãozinho resolveu sair de São Paulo
e ir clinicar no interior, tendo escolhido Avaí. Foi então que Romeu mudou-se e
Olga veio para nossa casa, a fim de cuidar de Dulce e do Cid. Antes da nossa
ida para Avaí, nasceu Neusa [filha de Olga], dia 23 de outubro, uma criança
muito bonita e boazinha. Estávamos em Avaí, quando ela completou um ano. Não
pudemos vir passar em sua companhia o seu primeiro aniversário. Pouco tempo
depois, Olga mudou-se para Santos, indo morar à Rua João Pessoa. Mais tarde,
mudou-se para a Rua Senador Feijó e, finalmente, para a praia [Avenida
Presidente Wilson].
Neusa, muito inteligente, fez o curso primário, o ginásio, o
curso normal e Escola de Direito, sem perder um ano. Hoje é professora e
advogada.
Netos de Elisa. Da esquerda para a direita: Sylvio, Lúcia, Neyde, Elza e Neusa.
Sylvio de mãos dadas com Elisa
Elisa e netos
Observação importante: A respeito do Sr. Pedro Voss, pessoa que muito ajudou Elisa, em duas ocasiões, conforme mencionado em postagens anteriores (Parte VII), a pesquisadora Toty Maya gentilmente nos escreveu e trouxe informações novas. O nome correto é "Pedro Voss" e não "Vass", como tínhamos entendido no manuscrito de Elisa. Fica o registro e meus agradecimentos a Toty Maya. (Ver comentário de 16 de julho de 2012, na Parte VII). Pedro Voss foi Diretor-geral de Educação de São Paulo, hoje é nome de escola, na Vila Clementino, e de rua, na Vila Carrão, em São Paulo.
São Paulo na década de 1920:
Parque da Aclimação
Esta fotografia está no blog: http://artebrasilis.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html
Avenida Paulista
Avenida São Luís
Estudantes em protesto na frente da Delegacia do Cambuci em 1924
Rua São Bento
Fotografias de São Paulo na década de 1920.
Retiradas do blog: http://bairrosdesaopaulo.blogspot.com.br/2009/06/fotos-antigas-arquivo-da-prefeitura.html
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