domingo, 29 de julho de 2012

O diário de uma professora (parte IX)


Elisa Wey Muniz Barretto e Dr. João Gonçalves Muniz Barretto


A partir daqui (nesta parte do Diário), já aposentada, Elisa não mais faz referências às questões escolares, à sua profissão. Seus interesses resumem-se à família, aos filhos e netos, a quem se dedica integralmente. Suas observações sobre o cotidiano, sobre as viagens valem a leitura.

Foi um tempo de perdas: a mãe, Joãozinho e a nora Eunice.

Foi um tempo de nascimentos: netos e bisnetos.

O tempo passou...

Quatro gerações: Ana, Elisa, Olga e Neusa


O Diário (parte IX)

Quando, pela 2ª vez, mudamos para Avaí, eu já estava aposentada, após 31 anos de luta. Encontrei Avaí muito decadente e aí permanecemos apenas cinco meses, pois Joãozinho foi convidado para substituir um médico da Caixa em Aquidauana (Mato Grosso) (1).

Viemos passar uns dias em São Paulo, preparamos as nossas malas e seguimos para lá, levando Sylvio conosco.

Aquidauana é uma cidade quentíssima e, por ser plana, quando chove as águas não têm escoamento e daí a grande quantidade de pernilongos. Não aguentei Aquidauana e, no fim de 6 meses, regressei à São Paulo, em companhia de Sylvio. Em Aquidauana há mangas e bananas maçãs deliciosas, porém o calor é sufocante. Sylvio dormia no nosso quarto e, ao levantar-se, tirava o pijama e torcia: pingavam gotas de suor.

A nossa viagem de Aquidauana a São Paulo, foi cansativa, pois havia muita poeira e calor. Ao chegarmos em Bauru, fomos para um hotel e pedimos banho. A camisinha do Sylvio estava tão suja que não se conhecia a cor; de branca que era, passou a cor de chocolate. Ele, então, disse-me: vovó, não lave essa camisa, pois eu quero mostrá-la à mamãe.

Joãozinho ficou ainda alguns meses em Aquidauana e, terminada a licença do médico, regressou a São Paulo.

Saímos ainda diversas vezes para o interior: Araçatuba, Guararapes, Guaraçaí, Castilho e Dracena.

Estávamos em Castilho, quando Cid, estando a terminar o curso de Engenharia, telegrafou-nos pedindo autorização para casar-se com Mercedes. Casou-se e, logo depois, formou-se. Já é pai de 3 filhos: Marilisa, Cybele e Nelson. Cid foi sempre um bom filho. Muito quieto, muito comportado e estudioso. Seus filhos são bonzinhos, Mercedes é uma boa esposa. Cid é muito trabalhador, cumpridor de seus deveres e está bem colocado.

Mamãe

Morávamos ainda no Cambuci quando mamãe foi passar uma temporada em nossa companhia. Ela estava com 84 anos. Uma noite, levantou-se e, ao voltar para a cama, caiu de joelhos e, nessa ocasião, fraturou a cabeça do fêmur. Coitada! Não poude mais sair da cama e veio a falecer em consequência de uma pneumonia. Já lá se vão 19 anos que ela não pertence mais a este mundo. Mamãe foi uma santa. Quantas saudades deixou no meu coração!

Quando Olga casou-se, Dulce ficou noiva do Homero. Um ano depois, Dulce formou-se e, como Homero estava desempregado, não marcamos o casamento. Ele só se colocou mais tarde no Novo Mundo e foi então que se casaram, e ficaram morando conosco no Cambucy.

Ali nasceram Dácio e Heraldo. Júnior só chegou 10 anos depois do Heraldo e já morávamos na Rua Vergueiro.

Em Dracena (2), Joãozinho foi professor de português no ginásio. Ali ele comprou um terreno e mandou construir uma casa na qual ficamos residindo. Dracena é uma boa cidade, cujo progresso é enorme. Lá estivemos quase dois anos. Joãozinho era muito estimado no Ginásio, tanto pelos colegas, como pelos alunos. Ele vivia muito feliz lá.

Certa ocasião eu vim a São Paulo e quando quis voltar, não foi possível, pois suspenderam as viagens da Real, único meio de transporte. Fiquei aqui [SP] aguardando o novo início do avião e, certo dia, recebi um telegrama do prefeito de Dracena, Sr. Irio Spinardi, avisando-me que meu marido se achava muito doente e reclamava minha presença. Telefonei ao Homero pedindo que comprasse uma passagem, de avião, até Tupã e segui para lá. Em Tupã não encontrei condução para Dracena, mas depois de muito indagar, resolvi seguir no teco-teco. Encontrei Joãozinho um pouco melhor e fiz-lhe companhia até o fim do ano. Depois de terminados os exames do ginásio, preparamos a nossa mudança e viemos para cá, deixando a casa alugada a um casal de italianos.

Mais tarde, Joãozinho voltou, só, a Dracena e achando a casa muito mal cuidada, cheia de pregos nas paredes, suja, etc. resolveu vendê-la por 100.000 cruzeiros.

Não saímos mais para o interior, ocupamos aqui, em casa de Homero, um bom quarto; mas estando muito cheio de livros, resolvi aproveitar uma área nos fundos e transformá-la em um cômodo para servir de escritório. Terminado este, transportamos para ele todas as estantes com livros, escrivaninha e cadeira.

Os meninos da Dulce, Dácio e Heraldo ocupam um quarto bem espaçoso e Junior, como é pequenininho, dorme no quarto dos pais. Dácio já fez o ginásio e o clássico, e Heraldo está terminando o ginásio.

Neyde está concluindo o curso de odontologia e Marina está terminando o ginásio [filhas de Lúcio]. Neusa [filha de Olga], já é professora e continua o curso de direito. Brevemente teremos uma advogada na família. Sylvio [filho de Romeu], trabalha no Rio, na P.H.A. e é um rapaz muito ajuizado, muito querido e bondoso. Lucia também trabalha e Elza casou-se e está residindo em Uberaba [filhas de Romeu]. Marilisa já está no ginásio, Cybele freqüenta o primário e Nelson também começou a frequentar a escola [filhos de Cid]. Sylvia Heloisa [filha de Romeu] está muito crescida e Júnior [Homero, filho de Dulce] também.

No dia 23 de novembro de 1954, à noite, recebemos notícia de que Eunice havia sido operada. Telefonamos para o hospital, no Rio, e soubemos que ela estava passando muito mal. No dia seguinte, muito cedo, eu e Dulce tomamos o avião e seguimos para lá. Olga, avisada, foi também.

Ela estava agonizando, a coitadinha! Como senti a morte desta nora! Era tão bondosa e muito amiga. Lúcio estava inconsolável; fazia dó vê-lo chorar. Ele ficou viúvo quase dois anos, muito triste, pois não se conformava em ficar só e, finalmente, casou-se com Terezinha. Foi uma ótima escolha, pois ela é muito carinhosa, tanto para Lúcio como para as meninas.

Em janeiro de 1956, Dulce festejou os aniversários, porque Junior fez anos no dia de Reis, dia 6, Heraldo, dia 21 e Dácio, dia 30.

Nessa ocasião, Joãozinho já andava doente. Vomitava muito, tinha insônia e angustia. Ele mesmo se medicava, mas não apresentava melhoras, e assim foram se passando os dias, até que, em abril, resolveu consultar um especialista. Telefonei ao Antoninho, meu mano, pedindo sua opinião sobre o médico que devíamos consultar. Consultem o Dr. Felipe Figliolino, que é meu amigo, disse-me ele. Fomos ao seu consultório. O Dr. Figliolino examinou-o minuciosamente e aconselhou-nos a tirar chapas. Rumamos para o gabinete do radiologista e foram batidas 6 chapas; mas na última Joãozinho não pode suportar o copo de bismuto e vomitou abundantemente. Digo bismuto, mas não sei se o nome é esse mesmo. É um líquido grosso e branco como leite.

À tarde, Homero foi buscar as chapas e levou-as ao Dr. Figliolino que, ao examiná-las, disse que havia urgência em uma operação; havia obstrução na passagem do piloro para o intestino. Telefonamos ao Plínio pedindo-lhe que se encarregasse da operação e assim, no dia seguinte, ele foi internado no Hospital Matarazzo. Logo que lá chegamos, Joãozinho começou a tomar soro e sangue, fazendo diariamente, lavagens de estomago. E assim, reanimou-se bastante. Avisamos os filhos que a operação estava marcada para o dia 10 de abril e, nesse dia, com a presença de todos no Hospital, realizou-se a operação. Correu tudo bem. Antonino e Romeu estiveram presentes na sala de operações e, nessa ocasião, o Plínio verificou que o caso do meu marido era incurável, pois o fígado estava canceroso. Como fiquei triste em receber tão dolorosa notícia!

Logo que ele teve alta no hospital viemos para casa. Passou regularmente os primeiros dias, alimentou-se um pouco e fez as digestões; mas começou a emagrecer rapidamente. Veio-lhe então um grande fastio. Só aceitava uma chicarazinha de café, isto é, nescafé que eu preparava mesmo no quarto para que ele o tomasse bem quentinho.

Olga, sempre que vinha ver o pai, convidava-o a ir passar uns dias em Santos, pois o apartamento dela é silencioso, com vista para o mar. No dia 6 de junho, véspera de seu aniversário, Joãozinho disse-me que gostaria de passar uns dias em Santos. Fomos no dia seguinte e quem nos levou, de automóvel, foi  Mercedes.

Ele chegou cansado e foi para a cama. No dia seguinte, à hora do almoço, Olga convidou-o a ir até a mesa, pois vendo os pratos talvez apetecesse comer alguma cousa. Foi e comeu com grande apetite: feijoada, brócolis e terminou tomando um copo de vinho. Nós ficamos espantados ao vê-lo comer com tamanha disposição; mas, à noite, vomitou tudo o que havia comido. Desse dia em diante, não aceitou mais nada e, uma semana depois, quis regressar a São Paulo. Veio de Santos muito abatido, deitado no banco de traz e com a cabeça no meu colo. Subiu as escadas amparado por mim e pela Olga e deitou-se. Em Santos, Joãozinho, conversando com Sylvio, disse-lhe que ia suicidar-se, pois tinha certeza que não sarava. Ao receber essa notícia, fiquei alarmada. Passei a vigiá-lo, não o deixando só, um instante; porem um dia ele me falou: estava resolvido a acabar com a vida, mas tanto pedi a Jesus, que ele me tirou essa ideia da cabeça. Foi um alivio para mim. Joãozinho continuou a definhar a olhos vistos e, ultimamente, sentia-se tão fraco que não se ouvia mais a sua voz.

Ditou suas ultimas vontades; Não queria ser enterrado com pompa, não queria coroas nem missa. Pediu que sua família não puzesse luto. Eu fiz-lhe todas as vontades, menos uma, isto é, ser enterrado com cova rasa. Comprei o terreno e mandei fazer um túmulo muito singelo. Para lá irei eu e, possivelmente, alguns dos filhos.

Estamos em julho de 1958. Já lá se vão dois anos que meu velho se despediu deste mundo. Quanta saudade! Lembro-me sempre dele principalmente à noite, pois não mudei de quarto. Vejo-o deitado, muito magro e com os olhos encovados. Quando sonho, ele me aparece robusto, cheio de vida: Faz mais de 10 anos que eu sou diabética e tenho sofrido dores lancinantes nas pernas; no entanto, aqui estou e ele, que vendia saúde, já partiu.

Felizmente sarei da perna e a diabetes não me incomoda. Tenho os meus filhos que muito me querem e isto me consola em parte. Estou com 13 netos, 2 bisnetos e mais um bisneto que, brevemente chegará. Completei 75 anos e me sinto forte, graças a Deus. (Continua na próxima semana).



 Elisa cercada  pelos netos


Notas:

(1) Aquidauana (Mato Grosso do Sul - MS)


Histórico

A história que registra a data de 15 de agosto de 1892 como o início do povoamento de Aquidauana insere-se num espaço físico e humano marcado por parcos registros de quatro séculos anteriores. Isso porque os primeiros colonizadores que por aqui passaram, teriam sido os espanhóis, por volta do século XVI.
[...]
Alguns estudiosos definem o ano de 1600 como uma das referências mais longínquas da presença de colonizadores na região. Neste ano, Ruy Dias de Guzman fundou o povoado de Santiago de Xeres, às margens do Rio Mbotetey, conforme denominação dada pelos Guaranis e que queria dizer rio sinuoso.
Mais tarde veio a chamar-se Aquidauana. Foram, porém, poucos anos de história, pois em 1632 a povoação foi destruída por força das investidas de indígenas e dos bandeirantes paulistas. Quanto aos moradores do povoado, alguns seguiram de volta a Assunção no Paraguai; outros se juntaram aos Bandeirantes e se estabeleceram no atual Estado de São Paulo.
O segundo momento de colonização às margens do piscoso rio se verificou em 1776, quando o explorador João Leme do Prado visitou as ruínas da antiga povoação. Foi uma presença temporária, mas suficiente para registrar a presença de laranjeiras e limoeiros na região. ″Tal era a abundância que formavam verdadeira mata″, registram crônicas mais antigas.
Foi em torno da pecuária que a região, mais tarde, começou a ser, gradativamente, povoada. A necessidade de um local apropriado para as embarcações que navegavam pelo rio Miranda e que fosse mais próximo de Nioaque e de Campo Grande, referências populacionais mais densas, motivou a fundação da nova vila.
Registram os anais que a 15 de agosto de 1892, ″A convite do prestimado cidadão major Theodoro Paes da Silva Rondon, dirigiram-se para a margem do rio Aquidauana diversos fazendeiros e pessoas residentes na Villa Miranda. Essa reunião tinha por fim a escolha do local e do nome da nova povoação e a constituição de uma comissão que proveria à todas necessidades reclamadas″. Reuniram-se para ato cerca de 40 cidadãos, na região onde hoje situa-se a Praça Nossa Senhora Imaculada Conceição.
A opção pelo nome ″Aquidauana″ revela a influência da cultura indígena em várias regiões de Mato Grosso do Sul, que tem diversos municípios nominados com termos comuns a etnias indígenas. Segundo a toponímia Guaicuru o termo denomina rio estreito, fino. O nome ″Aquidauana″ aparece em mapas datados do século XVII, pelo menos 200 anos antes da fundação do povoado.
[...]
″Nesta época o lugar era um completo sertão, nada existindo″, registram os anais. Três anos depois, porém, o povoado já dava os primeiros sinais de prosperidade.
″A partir de 1893, sucederam-se os ranchos, uns após outros, e foi-se formando assim um agrupamento de expressão social″, registra o ″Resumo Histórico e Estatístico de Aquidauana″, um dos poucos documentos disponíveis nos arquivos do município sobre suas origens. 
Fonte: Cid@ades (IBGE)

Aquidauana - MS



(2) Dracena (SP)

Histórico

Dracena, cujo nome nasceu de um concurso lançado pelo seus fundadores, Irio Spinardi, João Vandramini, Virgílio e Florêncio Fioravanti, na cidade de Tupã, significa a designação de uma planta ornamental, da família das liliáceas, com folhas verdes e amarelas.
Em 08 de dezembro de 1945, foi lançada a pedra fundamental, em cerimônia que contou com grande número de interessados, numa gleba de 300 alqueires, adquirida em setembro do mesmo ano.
Planejada a cidade, foi construído um hotel num prédio de dois pavimentos, que constituiu o povoamento, enquanto a gleba era subdividida em pequenas propriedades, proporcionando melhores oportunidades de aquisição.
A construção de moderna estação rodoviária e o maior número de casas trouxe um progresso rápido para Dracena, que em dezembro de 1948 passou a Distrito de Paz e em dezembro de 1953 elevada a Município, sendo hoje constituído dos Distrito de Jamaica e Jaciporá
Fontes: Cid@ades (IBGE)

 Dracena - SP





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