Agrotóxicos: a vitória da insensatez?
Renato Muniz B.
Carvalho
Alguns
preferem chamá-los de agrotóxicos, o nome mais popular e mais usado nos textos
jornalísticos e artigos científicos. A população já se acostumou com o termo e
sabe do que se trata. O assunto desperta atenção desde o início do século XX,
embora o DDT, o primeiro inseticida moderno, um dos mais conhecidos
agrotóxicos, tenha sido sintetizado em 1874. Esses produtos foram empregados na
Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), como armas químicas, mas seu uso
generalizado, como arma de guerra, ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial
(1939 – 1945). A partir da década de 1940, vários compostos se difundiram para
uso agrícola.
A
bióloga Rachel Carson, no livro “A primavera silenciosa”, cuja primeira edição
nos EUA é de 1962, fez sérias advertências sobre o perigo dos agrotóxicos para
a saúde humana e o meio ambiente. Em 1969, o DDT foi banido na Suíça e, em 1972,
nos EUA. O DDT esteve por diversas vezes associado a inúmeros tipos de câncer. Na
década de 1970, o seu uso foi limitado pela Convenção de Estocolmo sobre os
Poluentes Orgânicos Persistentes. No Brasil, só foi proibido em 2009. Outro dos
mais conhecidos venenos usados na agricultura brasileira, o BHC, foi banido em
1985, mas suspeita-se que ainda seja utilizado, ilegalmente. Nos últimos anos, o
emprego de venenos aumentou muito.
Atualmente,
pesquisas diversas indicam que boa parte dos alimentos consumidos pelos
brasileiros encontra-se contaminado por agrotóxicos. Muitos reconhecem essas
pesquisas e sabem dos riscos que o consumo causa à saúde. Algumas pessoas
desdenham dos efeitos negativos, não se informam ou desconfiam dos estudos e dos
alertas feitos. Afinal, existem aqueles que acham que a Terra é plana, que o
ser humano nunca pisou na Lua ou que cigarro não causa doenças. Entre 2007 a
2017, segundo levantamento do Ministério da Saúde, foram notificados cerca de
40 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos, com significativa quantidade
de mortos.
Há
várias tentativas de minimizar ou esconder as consequências do uso dos
agrotóxicos. Uma delas refere-se ao próprio nome. Há um esforço para mascarar
os danos utilizando-se denominações como defensivo agrícola ou protetores de
lavouras. Não será mudando o nome que os venenos deixarão de fazer mal! Pode-se
tentar controlar o imaginário, induzindo os consumidores a “baixarem a guarda”
e não se importarem com efeitos deletérios desses produtos na saúde. Outras formas
de disfarçar os danos são falar em “uso seguro”, assustar os produtores com a
proliferação das chamadas “pragas”, argumentar, de forma falaciosa, que só o
uso dos agrotóxicos pode garantir a produção atual de alimentos, etc. Nenhum
desses argumentos é capaz de eliminar a ocorrência de doenças associadas a
eles. De qualquer forma, sua produção é uma das atividades mais lucrativas da
indústria mundial, setor dominado por grandes e poderosas empresas. Resta-nos
defender a informação independente e crítica como passo importante para melhorar
a qualidade da alimentação e da saúde.
Para contribuir com o debate, selecionei algumas páginas e informações importantes:
- Aconselho a leitura do material disponibilizado na página da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida (Ver aqui).
- O Instituto Nacional do Câncer (INCA), tem feito estudos e divulgado informações muito relevantes sobre o assunto. Em especial, recomendo a leitura do Posicionamento do INCA acerca dos agrotóxicos:
Posicionamento
do INCA acerca dos agrotóxicos:
O
objetivo deste documento é demarcar o posicionamento do Instituto Nacional de
Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) contra as práticas de uso de
agrotóxicos no Brasil e ressaltar seus riscos à saúde, em especial nas causas
do câncer. Considerando o cenário brasileiro, os estudos científicos
desenvolvidos e os marcos políticos existentes para o regulamentação do uso dos
agrotóxicos, o INCA recomenda o uso do Princípio da Precaução e o
estabelecimento de ações que visem à redução progressiva e sustentada deste
uso, como previsto no Programa Nacional para Redução do uso de Agrotóxicos
(Pronara). Vale ressaltar também que o INCA apoia a produção de base
agroecológica em acordo com a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica. Este modelo otimiza a integração entre capacidade produtiva, uso e
conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais essenciais à vida.
Além de ser uma alternativa para a produção de alimentos livres de agrotóxicos,
tem como base o equilíbrio ecológico, a eficiência econômica e a justiça
social, fortalecendo agricultores e protegendo o meio ambiente e a sociedade. Para saber mais, acesse aqui).
- Para maiores informações, pode-se consultar a página do INCA na internet: https://www.inca.gov.br/
- A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulga sempre informações sobre o assunto, como se lê abaixo:
Pesquisa indica que não
há dose segura de agrotóxico
Trabalho do Instituto
Butantan aponta riscos em dez dos principais pesticidas usados no País.
Uma análise de dez
agrotóxicos de largo uso no País revela que os pesticidas são extremamente
tóxicos ao meio ambiente e à vida em qualquer concentração – mesmo quando
utilizados em dosagens equivalentes a até um trigésimo do recomendado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Encomendado pelo Ministério
da Saúde e realizado pelo Instituto Butantan, o estudo comprova que não existe
dose mínima totalmente não letal para os defensivos usados na agricultura
brasileira.
“Não existem
quantidades seguras”, diz a imunologista Mônica Lopes-Ferreira, diretora do
Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada, responsável pela pesquisa. “Se
(os agrotóxicos) não matam, causam anomalias. Nenhum peixe testado se manteve
saudável.” A pesquisa foi originalmente encomendada pelo Ministério da Saúde à
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em gesto considerado corriqueiro entre
institutos de pesquisa, a Fiocruz pediu ao Instituto Butantan que realizasse o
estudo, uma vez que tinha mais expertise nesse tipo de trabalho. Consulte aqui.
Segundo o Jornal da
Ciência, o texto na íntegra pode ser lido no jornal O Estado de S. Paulo.
- Comentários sobre o estudo
do Instituto Butantn também podem ser lidos na página da Rede Brasil Atual (aqui). Logo abaixo, selecionei alguns trechos:
Estudo do Instituto
Butantan mostra que agrotóxicos, em qualquer dosagem, podem fazer mal à saúde
Ao contrário do que
afirma Tereza Cristina, da Agricultura, ao defender a liberação de venenos
agrícolas, pesquisa revela que não há dose segura destas substâncias para a
saúde humana
Publicado por Redação
RBA em: 07/08/2019
Pesquisa testou a
toxicidade de 10 pesticidas, largamente utilizados no país, em ovas de
peixe-zebra, que em sua maioria nasciam mortos ou deformados
São Paulo – Em encontro
nesta terça-feira (6) para debater a liberação de agrotóxicos com jornalistas,
professores e representantes de órgãos da saúde, a ministra da Agricultura,
Tereza Cristina, afirmou que o Brasil vai aprovar cada vez mais defensivos químicos
para as plantações como forma de “entrar na modernidade”. Ela chegou a dizer
que os cerca de 200 novos venenos liberados por Jair Bolsonaro em pouco mais de
sete meses de governo são menos tóxicos. Mas um estudo do Instituto Butantan
divulgado nesta semana mostra, no entanto, que não há dose segura de
agrotóxicos para o organismo humano.
Encomendada pelo
Ministério da Saúde, a pesquisa testou várias dosagens, em peixes, para
verificar a toxicidade de 10 pesticidas, largamente aplicados pelo país, entre
eles o glifosato, um dos mais utilizados na agricultura. Os cientistas ficaram
surpresos com o resultado final, indicando que todos os agrotóxicos, em
qualquer quantidade, podem ser letais para os seres humanos. “Houve índices
grandes de mortes e também de deformações nos peixes que nasceram ali, ou outro
tipo de doença. A conclusão é o seguinte: não há dose mínima para os produtos
que são tóxicos”. destaca a pesquisadora e especialista em Meio Ambiente
Marijane Lisboa à repórter Martha Raquel, do Seu Jornal, da TVT.
Foram testadas
diferentes concentrações, de pequenas a grandes dosagens das substâncias,
diluídas na água de aquários contendo ovas fertilizadas de peixes-zebra.
Inicialmente, a pesquisa estava a cargo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mas,
por ter a metodologia com peixes considerada referência mundial para o teste de
toxinas, o Instituto Butantan recebeu o pedido para que realizasse o estudo,
algo considerado corriqueiro entre os institutos.
Mas, apesar da
expertise do centro de pesquisa, Marijane não descarta que, para negar o
resultado, Bolsonaro e Tereza Cristina irão questionar a metodologia, os
cientistas e os procedimentos. “Quem manda no governo Bolsonaro é o
agronegócio”, critica. O doutor em Saúde Pública Paulo Paes acrescenta que
“agrotóxico mata e não mata pouco”. Há mais de 15 anos estudando o efeito dos
pesticidas no corpo humano, Paulo destaca que, só na última década, a
intoxicação já fez pelo menos 5 mil crianças vítimas.
- Entretanto, a Ministra
da Agricultura defende o aumento dos registros de agrotóxicos, segundo
informação retirada da página da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). A
matéria completa pode ser lida aqui, e alguns trechos abaixo:
Teresa Cristina defende
aumento dos registros de agrotóxicos no País (07/08/2019)
Em um esforço para
transmitir que os alimentos brasileiros são “absolutamente seguros” do ponto de
vista de possíveis contaminações por agrotóxicos, a Ministra da Agricultura,
Tereza Cristina, reuniu jornalistas ontem em Brasília e disse que nenhum dos
262 novos produtos registrados pelo governo do início de janeiro ao dia 22 de
julho começou a ser analisado neste ano. E indicou que o volume de registros
continuará a aumentar até dezembro. No mesmo período de 2018, foram 234
registros.
Acompanhada por
técnicos da Agricultura, dois especialistas de universidades, diretores da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do ministro da
Secretaria de Comunicação, Fábio Wajngarten, e do presidente da bancada
ruralista, Alceu Moreira (MDB-RS), Tereza reiterou que é preciso aumentar ainda
mais a quantidade de defensivos no Brasil para que haja mais produtos, e mais
modernos, à disposição dos agricultores. E disse que o fato de a fila de
análise de registros pelo governo estar mais célere não significa que o
agricultor vai usar “adoidado” os defensivos.
“Temos de continuar
registrando mais produtos, inclusive os biológicos. Vocês vão ver cada vez mais
registros de produtos daqui para frente”, disse a ministra em café da manhã com
jornalistas. “Estamos incomodados de um assunto técnico como esse ter se
tornado uma guerra política no país e uma guerra comercial lá fora, em que o
nosso Brasil vem sendo denegrido de uma maneira até leviana”, acrescentou a
ministra.
Tereza Cristina voltou
a frisar que, na média, há defensivos que estão há quatro anos na fila de
espera aguardando registros, apesar de a legislação determinar um prazo de 120
dias. E que o governo ainda precisa, eventualmente, acatar liminares da Justiça
para acelerar o registro de determinadas moléculas a pedido de fabricantes.
“Ainda temos mais de 2.000 na fila de análise”.
Dentre os 262 produtos
registrados neste ano, sete são novos, 136 são produtos técnicos (de uso
exclusivo da indústria) e 126 formulados (prontos para serem adquiridos por
produtores rurais mediante recomendação de um engenheiro agrônomo).
A ministra enfatizou
que não foi o governo Bolsonaro que começou a registrar mais agrotóxicos e que
existe uma metodologia de análise e reavaliação que vem sendo aprimorada ao
longo dos anos. E criticou a imprensa por, em alguns momentos, prestar um
“desserviço” à população ao questionar a qualidade dos alimentos brasileiros.
Quanto aos níveis de
resíduos de agrotóxicos em alimentos, Tereza Cristina chamou a atenção que,
neste ano, o Brasil recebeu apenas dois alertas de notificação da Europa (RASFF
– Rapid Alert System for Food and Feed). De 1999 até hoje, foram 75
notificações, sendo que o maior número ocorreu em 2015 com 13 reclamações. De
2017 até hoje, foram cinco. “Está provado por A mais B que os nossos produtos
são seguros”, disse.
Existem no mercado
brasileiro quase 2.000 agrotóxicos registrados para uso nas lavouras. Por ser
um país tropical, onde o ambiente é mais propício à proliferação de pragas, e
por ter a vantagem de poder cultivar até três safras por ano, o Brasil é o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo, com vendas da ordem de US$ 10 bilhões.
(Para ver mais, acesse o link acima).
- Dados e outras informações sobre os agrotóxicos podem ser lidos na página da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida: https://contraosagrotoxicos.org/dados-sobre-agrotoxicos/.
Não custa recordar que alguns chamam os agrotóxicos de "remédios", como fez certa vez o ex-governador de São Paulo (Geraldo Alckmin) ao se referir ao PL do veneno: "Não é Lei do Veneno. É Lei do Remédio. Como os animais ficam doentes,
as plantas também ficam doentes. Então, você precisa ter defensivos
agrícolas para defender a planta. Precisamos de defensivos agrícolas
mais modernos, que tenham efeito melhor: menos problemas para a saúde,
para o meio ambiente e protejam a agricultura." (Ver aqui).
- É importante conhecer e refletir sobre os "dois lados" da questão. Favorável aos agrotóxicos, o agrônomo Xico Graziano minimiza seus danos. Segundo ele: "Mesmo assim, como existe grande margem de segurança, geralmente de 100
vezes, acima dos limites estabelecidos pela legislação, somente haveria
dano real à saúde se a ingestão do alimento ocorresse em elevada
quantidade." Link disponível aqui).
- Quase sempre, os defensores dos agrotóxicos desconsideram dois problemas quanto à utilização de agrotóxicos e seus danos à saúde:
1) o uso ilegal de agrotóxicos ou o uso não autorizado de produtos;
2) a combinação de dois ou mais produtos aplicados simultaneamente na mesma lavoura.
- A geógrafa e professora Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de Geografia da USP, elaborou o Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. Para aqueles que se preocupam com o assunto, é fundamental conhecer. Clique aqui.
- Quem quiser saber mais sobre o Atlas, pode consultar diretamente na página da professora Larissa: https://www.larissabombardi.blog.br/atlas2017.
- A professora Larissa Bombardi tem vídeos excelentes sobre o assunto. Veja aqui e aqui.
- Sobre o livro A primavera Silenciosa, é importante ler o que escreveu a jornalista Sucena Shkrada Resk: "Até quando iremos silenciar as primaveras? Há cinco décadas, a bióloga marinha Rachel Carson (www.rachelcarson.org)
desnudava por meio da literatura, um processo desencadeado no frenesi
industrial da sociedade contemporânea, em que o uso excessivo de
agrotóxicos (pesticidas) sintéticos, nos EUA, resultava na aniquilação
de espécies de aves e peixes, consequentemente comprometendo a saúde
humana. Ela rebatia principalmente o argumento de que o uso do agente
químico Dicloro-difenil-tricloretano
(DDT) utilizado à época era justificável pela necessidade de conter as
pragas nos cultivos na agricultura. Assim nascia a obra “Primavera
Silenciosa”, resultado de sua persistência, verdadeiro altruísmo, diante
de um inimigo poderoso que eram as indústrias do setor e toda a
retaguarda política que sustentavam suas práticas." Acompanhe outras publicações da jornalista Sucena Shkrada Resk na sua página do Facebook: aqui.
- Para terminar, julgo importante considerar este aviso da página da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos:
"Preparamos nesta página uma compilação de dados sobre o
mundo dos agrotóxicos e afins. Buscamos sempre que possível fontes oficiais.
No entanto, temos um problema crônico em nosso país neste sentido, e portanto
os dados sobre venda de agrotóxicos são oriundos do próprio sindicato da
empresas de agrotóxicos (Sindiveg, antigo Sindag)." Dados brutos podem ser acessados no portal de dados de abertos da Campanha:
http://dados.contraosagrotoxicos.org
BOA LEITURA! BOA PESQUISA!
E NÃO SE ESQUEÇA: DÊ PREFERÊNCIA AOS ALIMENTOS ORGÂNICOS, COMPRE PRODUTOS ORIUNDOS DA AGRICULTURA FAMILIAR.
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