terça-feira, 31 de março de 2015

Picasso e a modernidade espanhola




Estivemos hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo, para visitarmos a exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola – Obras da Coleção do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía”.

“Com cerca de 90 obras a exposição evidencia a influência de Picasso na arte moderna espanhola e os traços mais importantes e originais da sensibilidade artística que o pintor e seus contemporâneos espanhóis imprimiram ao cenário internacional das artes.”

A exposição mostra a trajetória de Picasso até Guernica, e sua “relação com mestres da arte moderna espanhola, como Gris, Miró, Dalí, Domínguez e Tàpies, entre outros presentes na mostra; e a suas contribuições para uma noção de modernidade voltada para o tempo presente.” (Trechos do release da exposição).

Com curadoria de Eugenio Carmona, a exposição foi organizada e realizada pelo Ministério da Cultura e pelo Centro Cultural Banco do Brasil, em colaboração com o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía e a Fundación Mapfre.

O que vimos confirma a importância de Picasso como um artista revolucionário que mudou a maneira como veríamos a arte a partir do século XX. Liberdade, criatividade, revolução e inconformismo nos abrem novos olhares sobre a vida e são mais do que contribuições de um gênio da pintura, mas conquistas que permitiram novas leituras sobre o mundo em que vivemos.

Guernica, que não faz parte da exposição e é uma de suas obras mais conhecidas, mereceu um tratamento especial, cujo desfecho é um audiovisual (“Picasso: do minotauro a Guernica”), que vale a pena ser visto.

A exposição estará aberta ao público até o dia 08 de junho, de quarta a segunda, das 9h às 21h. O CCBB fica na rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo.











sexta-feira, 13 de março de 2015

Comunicação de roubo



O céu azul que se avista do jardim

Renato Muniz Barretto de Carvalho

A legislação, quero acreditar, é clara na caracterização e na diferenciação de roubo e furto, eu é que não estou sabendo bem se fui vítima de um ou de outro. E é bom esclarecer que este não é um artigo jurídico. Eu vou contar, quem sabe alguém me ajuda.

Quando compramos nossa casa, lá pelos anos 80 do século passado, minha esposa e eu levamos em consideração alguns detalhes que, naquele momento, eram importantes. Apesar de ser num bairro distante, longe do centro da cidade, tinha de ter uma escola perto, para os meninos, tinha de ter panificadora, mercadinho, farmácia, essas coisas, nada muito fora de mão. Era uma rua sossegada, se os amigos viessem nos visitar, para os que tinham carro, era fácil estacionar, os demais poderiam vir de ônibus, cujo ponto não era longe também. Era tão sossegado que até caminhando era viável. Uma beleza!

Um aspecto fundamental, na época, era a possibilidade de se avistar os céus. Exatamente! O que os antigos chamavam de firmamento, e mais, as cores do céu, o Sol, as estrelas, a Lua em todas as suas fases. Queríamos ver o amanhecer e o entardecer, queríamos observar as estrelas e mostrar aos nossos filhos os planetas visíveis, as constelações que encantam o ser humano há milhares de anos. Queríamos poder observar o céu e saber se iria chover, se iria fazer um dia quente ou frio. Mesmo que não acertássemos, pois nunca fomos meteorologistas, era importante tirar nossas próprias conclusões.

Quantas noites não foram passadas no jardim, onde ficávamos horas e horas saboreando um céu maravilhoso, cheio de estrelas, cujo brilho levou bilhões de anos para chegar até nós! Quantas manhãs de sábado chuvosas sentados nas espreguiçadeiras da varanda só para olhar o movimento das grossas nuvens cinzas, carregadas de chuva! Foram incontáveis as madrugadas em que, antes de dormir, abríamos a janela do quarto e ficávamos olhando, encantados, o céu limpo, sem uma nuvem, só a Lua com todo seu brilho testemunhando nossos carinhos e frases amorosas!

Um dia, abri a janela e fiquei perplexo: onde estava o céu? Pouco a pouco, sem que a gente se desse conta, nos roubaram o céu. Começou com um prédio de três pavimentos, construído sem recuo ou a mínima sensibilidade arquitetônica, um verdadeiro caixote, que nos impediu de olhar o amanhecer. Depois, um prédio grande, mais de quinze andares, depois outro, mais outro e, quando demos pela coisa, cadê o céu? Já não era mais nosso. Para qualquer lado que olhássemos só víamos paredes, barreiras cinzentas com minúsculas janelinhas, obstáculos, torres, fios, antenas, fora o barulho e a poeira.

Sem o céu, perdemos a orientação, a noção do tempo, da chuva, do dia e da noite. Desorientados, só nos restava mudar de casa, mas era necessário registrar a ocorrência, o furto, ou seria roubo? Engasguei na terminologia jurídica, perdi a noção do tempo, tropecei na burocracia, estava sem chão e sem céu!

 Algum lugar de onde já não se avista quase nada a não ser prédios.

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Desemboque



Alunos e professores do Curso de Arquitetura no Desemboque, em 1993. (Foto de Walmor J. Silva)

Renato Muniz Barretto de Carvalho

            O Desemboque foi o mais importante núcleo de povoamento do Triângulo Mineiro no século XVIII. Região ocupada por índios e quilombos, sua inserção no processo de ocupação capitalista se dá a partir de duas frentes. A primeira delas, desde fins do século XVII, vinda de São Paulo, atravessando o rio Grande em direção a Goiás. A outra, vinda do centro de Minas Gerais, em meados do século XVIII. As entradas paulistas não deixam núcleos urbanos, mas investem contra aldeias indígenas iniciando sua dizimação. É deste período a Estrada do Anhanguera, que o bandeirante paulista Anhanguera Filho vai explorar por permissão real. A luta contra os índios se intensifica com a vinda de Goiás do Coronel Pires de Campos que, com seu exército de índios Bororos, acaba com a resistência dos Caiapós.
            A origem do povoamento do Desemboque está relacionada à segunda frente de ocupação, isto é, aquela vinda do interior de Minas Gerais. Diversas tentativas foram feitas, algumas terminando em morte de quase todos os entrantes, até meados do século XVIII, quando um núcleo se estabelece às margens do rio das Abelhas, mais tarde denominado das Velhas e atualmente rio Araguari. A povoação se desenvolve rapidamente até fins do século quando começa a mostrar sinais de decadência. O que explica o crescimento e a decadência?  Numa análise rápida, a origem e o crescimento se relacionam à existência de ouro que, sem dúvida, existiu, não se sabendo ao certo em que quantidade. Alguns autores uberabenses (Ronaldo Campos entre outros) acreditavam que a região tenha servido como área de escape para a taxação intensa que ocorria sobre o ouro em Minas Gerais, o que não ocorria em Goiás. Isto pode explicar a questão do Triângulo ter pertencido a Goiás até 1816 e a seguir a Minas Gerais.
            No processo de urbanização e da ocupação da região, foi importante a presença e os interesses dos membros da Igreja, por intermédio de seus representantes e parentes. Em termos históricos e arquitetônicos, as duas igrejas existentes no Desemboque se explicam em função desta dinâmica. A primeira delas, a matriz, data de aproximadamente 1740, data oficial, embora existam controvérsias quanto à real data de sua edificação. Trata-se da igreja de Nossa Senhora do Desterro do Desemboque, que tem na sua frente o cemitério do então povoado, estando ali enterrados seus primeiros habitantes. A segunda igreja, muito mais simples e singela, é a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Negros, que era utilizada para cultos dos escravos. Ambas são representativas da arquitetura do século XVIII, apesar de sua curiosa simplicidade. Nos anos 80 do século XX, pesquisadores da cidade de Sacramento descobrem um cemitério de negros nas proximidades do que restou do povoado.
            No início do século XIX, o Desemboque foi o ponto de partida para a conquista e colonização de todo o Triângulo e boa parte do Brasil Central. Inúmeras cidades se constituíram a partir daí. Sacramento, Uberaba e Prata são alguns exemplos. O personagem que mais se destacou na história do Desemboque foi o Cônego Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswick, patriarca e proprietário rural que estimulou a criação de Uberaba, tendo sido o vigário que mais se empenhou na defesa da ocupação da região visando seu fortalecimento e autonomia para os proprietários rurais. Eleito para as Cortes, em Lisboa, nunca chegou a tomar posse.
            Hoje, o povoado é um distrito do município de Sacramento. Encontra-se localizado às margens do rio Araguari, na Bacia do Rio Paranaíba, próximo da serra da Canastra e entre os chapadões do Bugre e do Zagaia.
             Ícone dos intelectuais de Uberaba e região desde as décadas de 1960 e 1970, o Desemboque foi motivo de estudos, ensaios fotográficos, inspiração para livros de ficção, estudos arquitetônicos, etc.
            São exemplos deste “interesse literário” que o Desemboque despertou, obras de autores como Mário Palmério, João Gilberto Rodrigues da Cunha, Jorge Alberto Nabut, Zebeto Fernandes, dentre outros.
            Diversas iniciativas para o tombamento não impediram uma descaracterização do povoado, que recebeu luz elétrica, escola e permitiu a construção de empreendimentos agrícolas e comerciais sem os mínimos cuidados necessários e compatíveis com sua importância histórica.
            Em 1986, o jornalista Jorge Alberto Nabut organizou um livro, publicado pela Fundação Cultural de Uberaba (FCU), que reuniu vários artigos, fotografias e informações sobre o Desemboque. Algumas das fotografias do livro são de minha autoria, feitas em viagem que fiz em 1973 com meu pai, Lincoln Borges de Carvalho, e com Ronaldo Cunha Campos, Mário Edson Andrade, João Lucas Borges e o próprio Jorge A. Nabut. Nesta época, a Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM) organizou excursões ao povoado, visando torna-lo conhecido e que isso pudesse estimular o processo de tombamento e a proteção do patrimônio lá existente, como imagens e prédios históricos. Isso, entretanto, não impediu alguns roubos de imagens e descaracterização e degradação da paisagem.
            Em 1993, vinte anos depois da primeira viagem que fiz ao lugar, organizei uma excursão para meus alunos do Curso de Arquitetura da Universidade de Uberaba (UNIUBE). A intenção era que conhecessem o povoado, seu significado histórico, seu patrimônio arquitetônico e que valorizassem aspectos da cultura local. Vários professores do Curso estavam juntos e participaram na organização da excursão, como Elaine Silva Furtado e Carlos Eduardo Hallite. Na ocasião, o então prefeito de Sacramento, Joaquim Rosa Pinheiro, nos recepcionou com uma solenidade oficial, um farto almoço e reportagens em jornais de Uberaba, Sacramento e Uberlândia. Em agosto de 1993, a prefeitura de Sacramento realizou uma série de ações de valorização do lugar, tendo, inclusive, transferido, simbolicamente, a sede do município para o Desemboque e promovido lançamento de selo dos Correios (ECT) alusivo à data.
            O jornalista Jorge Zaidan, foi escalado por um Jornal de Uberlândia para acompanhar nossa visita e lá fez inúmeras entrevistas e uma excelente matéria. O vereador Carlos Alberto Cerchi, de Sacramento, também nos acompanhou na visita. O jornalista Walmor Júlio Silva, de Sacramento, responsável pelo Jornal O Estado do Triângulo (http://www.etnews.com.br/expediente), fez uma bonita fotografia do evento, a qual me presenteou dias depois. É a fotografia que abre esta postagem, no alto da página.

O povoado ainda está à espera de ações mais concretas de valorização do seu patrimônio.

Uma pesquisa rápida na internet revela alguns textos, fotografias, mapas e informações sobre o Desemboque.

1) Blog Ser-tão Paulistano, onde a professora e escritora Iara Fernandes, de Uberaba, MG, escreve sobre o Desemboque:

2) Blog do fotógrafo de Sacramento, MG, Alessandro Abdala:

3) Página Sacrahome com informações sobre o povoado:

4) Página do Jornal Estado do Triângulo, de Sacramento, MG, em que a arquiteta e pesquisadora Virgínia Dolabela fala de suas pesquisas sobre a história de Desemboque:

5) Página do Jornal Revelação, jornal laboratório do Curso de Jornalismo da UNIUBE:

6) Blog Siga Alice, sobre as viagens de um casal de fotógrafos pelo Brasil:

7) Página da Associação de Turismo da Serra da Canastra (ATUSCA):

Abaixo, algumas fotografia feitas em diferentes momentos. Algumas são de minha autoria, outras são de meu pai, Lincoln Borges de Carvalho. Algumas não foi possível identificar a autoria (todas são do acervo de Lincoln B. Carvalho).



















           

quarta-feira, 4 de março de 2015

As crônicas no Jornal da Manhã



Em outubro de 2014, fui eleito para ocupar a Cadeira número um da Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM). Em seguida, a jornalista Lídia Prata, diretora do Jornal da Manhã, e também uma acadêmica, me convidou para escrever quinzenalmente no JM. Aceitei de bom grado e, desde novembro de 2014, tenho publicado regularmente no Jornal, sempre aos domingos.

Para quem não teve oportunidade de ler na época em que foram publicadas, vou colocar neste Blog as crônicas que escrevi. Elas também podem ser lidas no site do próprio Jornal (http://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,675). Espero que gostem.

Eis a primeira desta leva:

Os vários apelidos da chuva

Renato Muniz Barretto de Carvalho

Ao longo da minha vida, eu aprendi, principalmente com o povo simples da roça, que a chuva tem vários apelidos e acessórios. É o mesmo que dizer que, quase sempre, ela vem acompanhada de diversos adjetivos. Não é uma questão de nomenclatura apenas, mas uma questão de ser, de essência. Seus nomes de batismo dependem de suas características, de sua intensidade, de sua duração e de muito mais.
Não há como não prestar atenção na chuva. Raramente ela cai sem que alguém não perceba. Quando ela dá o ar da graça, o ambiente se modifica, fica mais úmido, o cheiro muda – é o famoso cheirinho de terra molhada! –, ela faz barulho, às vezes provoca estrondos e rugidos. Num lugar fechado dá para perceber que ela veio por causa do som das gotas batendo no telhado ou nas janelas. Só se o lugar for muito fechado, sem vidraças, para não perceber. É preciso reconhecer, com tristeza, que lugares assim existem, onde quem está dentro não tem ideia do que se passa fora. Essas pessoas, quando saem à rua depois da chuva, logo percebem que choveu, seja pelo ar mais limpo, seja pelas poças d’água que permanecem no chão. Quando a chuva vem acompanhada de raios e trovões, fica difícil não perceber sua presença.
Se tudo correr bem, e a chuva vem devagar, suave, ela se chama chuva mansa, ou, carinhosamente, chuvinha mansa. Pode durar bastante, ou por breves instantes. Essa chuva geralmente agrada, satisfaz até os rabugentos.
A chuva pode mudar de humor e vir na forma de chuva brava, quase uma tempestade. A culpa não é dela, mas é como se ficasse mal humorada, ranzinza, suas águas desagregam partículas de solo, desmoronam barrancos, derrubam casas, enchem as várzeas.
Quando ela fica instável, já chega arrebentando tudo, se enfurece, vem acompanhada de muitos relâmpagos, de vento forte, é porque ela virou um chuvão. É chuva para se temer, porque chega no rastro de muita poeira, com folhas caídas, porque inunda as ruas, derruba árvores, inverte guarda-chuvas, levanta a saia das moças e molha a barra das calças compridas.
A chuva que eu mais gosto é a chuva criadeira. Esse nome eu ouvia o meu avô falar. E ele falava com gosto! É a chuvinha que cai devagar, sem fazer estragos, penetra no solo, enche os rios sem arrebentar as margens. Ela cai no lombo do gado e os animais ficam quietinhos, parece até que estão dormindo. O tempo esfria e o melhor a fazer é se achegar a um fogão de lenha, sentar num banquinho, e ficar só olhando pela porta. Ou convidar o amor para ficarem bem juntinhos. Ou então ir pra varanda, pegar um bom livro e ouvir a água cair, fazendo massagem no cérebro. Chove chuva!