sexta-feira, 13 de março de 2015
Comunicação de roubo
O céu azul que se avista do jardim
Renato Muniz Barretto de Carvalho
A legislação, quero acreditar, é clara na
caracterização e na diferenciação de roubo e furto, eu é que não estou sabendo
bem se fui vítima de um ou de outro. E é bom esclarecer que este não é um
artigo jurídico. Eu vou contar, quem sabe alguém me ajuda.
Quando compramos nossa casa, lá pelos anos 80 do
século passado, minha esposa e eu levamos em consideração alguns detalhes que,
naquele momento, eram importantes. Apesar de ser num bairro distante, longe do
centro da cidade, tinha de ter uma escola perto, para os meninos, tinha de ter
panificadora, mercadinho, farmácia, essas coisas, nada muito fora de mão. Era
uma rua sossegada, se os amigos viessem nos visitar, para os que tinham carro,
era fácil estacionar, os demais poderiam vir de ônibus, cujo ponto não era
longe também. Era tão sossegado que até caminhando era viável. Uma beleza!
Um aspecto fundamental, na época, era a
possibilidade de se avistar os céus. Exatamente! O que os antigos chamavam de
firmamento, e mais, as cores do céu, o Sol, as estrelas, a Lua em todas as suas
fases. Queríamos ver o amanhecer e o entardecer, queríamos observar as estrelas
e mostrar aos nossos filhos os planetas visíveis, as constelações que encantam
o ser humano há milhares de anos. Queríamos poder observar o céu e saber se
iria chover, se iria fazer um dia quente ou frio. Mesmo que não acertássemos,
pois nunca fomos meteorologistas, era importante tirar nossas próprias
conclusões.
Quantas noites não foram passadas no jardim, onde
ficávamos horas e horas saboreando um céu maravilhoso, cheio de estrelas, cujo
brilho levou bilhões de anos para chegar até nós! Quantas manhãs de sábado
chuvosas sentados nas espreguiçadeiras da varanda só para olhar o movimento das
grossas nuvens cinzas, carregadas de chuva! Foram incontáveis as madrugadas em
que, antes de dormir, abríamos a janela do quarto e ficávamos olhando,
encantados, o céu limpo, sem uma nuvem, só a Lua com todo seu brilho
testemunhando nossos carinhos e frases amorosas!
Um dia, abri a janela e fiquei perplexo: onde
estava o céu? Pouco a pouco, sem que a gente se desse conta, nos roubaram o
céu. Começou com um prédio de três pavimentos, construído sem recuo ou a mínima
sensibilidade arquitetônica, um verdadeiro caixote, que nos impediu de olhar o
amanhecer. Depois, um prédio grande, mais de quinze andares, depois outro, mais
outro e, quando demos pela coisa, cadê o céu? Já não era mais nosso. Para
qualquer lado que olhássemos só víamos paredes, barreiras cinzentas com
minúsculas janelinhas, obstáculos, torres, fios, antenas, fora o barulho e a
poeira.
Sem o céu, perdemos a orientação, a noção do tempo,
da chuva, do dia e da noite. Desorientados, só nos restava mudar de casa, mas
era necessário registrar a ocorrência, o furto, ou seria roubo? Engasguei na
terminologia jurídica, perdi a noção do tempo, tropecei na burocracia, estava
sem chão e sem céu!
Algum lugar de onde já não se avista quase nada a não ser prédios.
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