Alunos e professores do Curso de Arquitetura no Desemboque, em 1993. (Foto de Walmor J. Silva)
Renato Muniz Barretto
de Carvalho
O
Desemboque foi o mais importante núcleo de povoamento do Triângulo Mineiro no
século XVIII. Região ocupada por índios e quilombos, sua inserção no processo
de ocupação capitalista se dá a partir de duas frentes. A primeira delas, desde
fins do século XVII, vinda de São Paulo, atravessando o rio Grande em direção a
Goiás. A outra, vinda do centro de Minas Gerais, em meados do século XVIII. As
entradas paulistas não deixam núcleos urbanos, mas investem contra aldeias
indígenas iniciando sua dizimação. É deste período a Estrada do Anhanguera, que
o bandeirante paulista Anhanguera Filho vai explorar por permissão real. A luta
contra os índios se intensifica com a vinda de Goiás do Coronel Pires de Campos
que, com seu exército de índios Bororos, acaba com a resistência dos Caiapós.
A
origem do povoamento do Desemboque está relacionada à segunda frente de
ocupação, isto é, aquela vinda do interior de Minas Gerais. Diversas tentativas
foram feitas, algumas terminando em morte de quase todos os entrantes, até
meados do século XVIII, quando um núcleo se estabelece às margens do rio das
Abelhas, mais tarde denominado das Velhas e atualmente rio Araguari. A povoação
se desenvolve rapidamente até fins do século quando começa a mostrar sinais de
decadência. O que explica o crescimento e a decadência? Numa análise rápida, a origem e o crescimento
se relacionam à existência de ouro que, sem dúvida, existiu, não se sabendo ao
certo em que quantidade. Alguns autores uberabenses (Ronaldo Campos entre
outros) acreditavam que a região tenha servido como área de escape para a
taxação intensa que ocorria sobre o ouro em Minas Gerais, o que não ocorria em
Goiás. Isto pode explicar a questão do Triângulo ter pertencido a Goiás até
1816 e a seguir a Minas Gerais.
No
processo de urbanização e da ocupação da região, foi importante a presença e os
interesses dos membros da Igreja, por intermédio de seus representantes e
parentes. Em termos históricos e arquitetônicos, as duas igrejas existentes no
Desemboque se explicam em função desta dinâmica. A primeira delas, a matriz,
data de aproximadamente 1740, data oficial, embora existam controvérsias quanto
à real data de sua edificação. Trata-se da igreja de Nossa Senhora do Desterro
do Desemboque, que tem na sua frente o cemitério do então povoado, estando ali
enterrados seus primeiros habitantes. A segunda igreja, muito mais simples e
singela, é a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Negros, que era
utilizada para cultos dos escravos. Ambas são representativas da arquitetura do
século XVIII, apesar de sua curiosa simplicidade. Nos anos 80 do século XX,
pesquisadores da cidade de Sacramento descobrem um cemitério de negros nas
proximidades do que restou do povoado.
No
início do século XIX, o Desemboque foi o ponto de partida para a conquista e
colonização de todo o Triângulo e boa parte do Brasil Central. Inúmeras cidades
se constituíram a partir daí. Sacramento, Uberaba e Prata são alguns exemplos.
O personagem que mais se destacou na história do Desemboque foi o Cônego
Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswick, patriarca e proprietário rural que
estimulou a criação de Uberaba, tendo sido o vigário que mais se empenhou na
defesa da ocupação da região visando seu fortalecimento e autonomia para os
proprietários rurais. Eleito para as Cortes, em Lisboa, nunca chegou a tomar
posse.
Hoje, o
povoado é um distrito do município de Sacramento. Encontra-se localizado às
margens do rio Araguari, na Bacia do Rio Paranaíba, próximo da serra da
Canastra e entre os chapadões do Bugre e do Zagaia.
Ícone dos
intelectuais de Uberaba e região desde as décadas de 1960 e 1970, o Desemboque foi
motivo de estudos, ensaios fotográficos, inspiração para livros de ficção,
estudos arquitetônicos, etc.
São
exemplos deste “interesse literário” que o Desemboque despertou, obras de autores
como Mário Palmério, João Gilberto Rodrigues da Cunha, Jorge Alberto Nabut, Zebeto
Fernandes, dentre outros.
Diversas
iniciativas para o tombamento não impediram uma descaracterização do povoado,
que recebeu luz elétrica, escola e permitiu a construção de empreendimentos
agrícolas e comerciais sem os mínimos cuidados necessários e compatíveis com
sua importância histórica.
Em 1986,
o jornalista Jorge Alberto Nabut organizou um livro, publicado pela Fundação
Cultural de Uberaba (FCU), que reuniu vários artigos, fotografias e informações
sobre o Desemboque. Algumas das fotografias do livro são de minha autoria,
feitas em viagem que fiz em 1973 com meu pai, Lincoln Borges de Carvalho, e com
Ronaldo Cunha Campos, Mário Edson Andrade, João Lucas Borges e o próprio Jorge
A. Nabut. Nesta época, a Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM) organizou
excursões ao povoado, visando torna-lo conhecido e que isso pudesse estimular o
processo de tombamento e a proteção do patrimônio lá existente, como imagens e
prédios históricos. Isso, entretanto, não impediu alguns roubos de imagens e descaracterização
e degradação da paisagem.
Em 1993,
vinte anos depois da primeira viagem que fiz ao lugar, organizei uma excursão
para meus alunos do Curso de Arquitetura da Universidade de Uberaba (UNIUBE). A
intenção era que conhecessem o povoado, seu significado histórico, seu
patrimônio arquitetônico e que valorizassem aspectos da cultura local. Vários
professores do Curso estavam juntos e participaram na organização da excursão, como Elaine Silva Furtado e Carlos Eduardo
Hallite. Na ocasião, o então prefeito de Sacramento, Joaquim Rosa Pinheiro, nos
recepcionou com uma solenidade oficial, um farto almoço e reportagens em
jornais de Uberaba, Sacramento e Uberlândia. Em agosto de 1993, a prefeitura de
Sacramento realizou uma série de ações de valorização do lugar, tendo,
inclusive, transferido, simbolicamente, a sede do município para o Desemboque e
promovido lançamento de selo dos Correios (ECT) alusivo à data.
O
jornalista Jorge Zaidan, foi escalado por um Jornal de Uberlândia para
acompanhar nossa visita e lá fez inúmeras entrevistas e uma excelente matéria. O
vereador Carlos Alberto Cerchi, de Sacramento, também nos acompanhou na visita. O
jornalista Walmor Júlio Silva, de Sacramento, responsável pelo Jornal O Estado
do Triângulo (
http://www.etnews.com.br/expediente),
fez uma bonita fotografia do evento, a qual me presenteou dias depois. É a fotografia que abre esta postagem, no alto da página.
O povoado ainda está à espera de ações mais concretas de
valorização do seu patrimônio.
Uma pesquisa rápida na internet revela alguns textos,
fotografias, mapas e informações sobre o Desemboque.
1) Blog Ser-tão Paulistano, onde a professora e escritora Iara Fernandes, de Uberaba, MG, escreve sobre o Desemboque:
2) Blog do fotógrafo de Sacramento, MG, Alessandro Abdala:
3) Página Sacrahome com informações sobre o povoado:
4) Página do Jornal Estado do Triângulo, de Sacramento, MG, em que a arquiteta e pesquisadora Virgínia Dolabela fala de suas pesquisas sobre a história de Desemboque:
5) Página do Jornal Revelação, jornal laboratório do Curso de Jornalismo da UNIUBE:
6) Blog Siga Alice, sobre as viagens de um casal de fotógrafos pelo Brasil:
7) Página da Associação de Turismo da Serra da Canastra (ATUSCA):
Abaixo, algumas fotografia feitas em diferentes momentos. Algumas são de minha autoria, outras são de meu pai, Lincoln Borges de Carvalho. Algumas não foi possível identificar a autoria (todas são do acervo de Lincoln B. Carvalho).
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