Renato Muniz Barretto de Carvalho
Certos fatos e acontecimentos surgem na minha memória sem quê nem por quê. Um deles me lembra aquela cena do cachorro que morde o próprio rabo e corre em círculos, dando voltas em torno de si mesmo. O pobre coitado deve imaginar que algum outro cachorro lhe morde o rabo, então ele não abre os dentes e gira sem parar, sem saber quem é quem na história. Corre atrás dele mesmo.
Assim são algumas sociedades: giram em círculo, sem saber exatamente que estão mordendo o próprio rabo. E não sabem quem começou, quando e porque se iniciou o processo.
Pensei nisso quando olhava encantado para um grande ipê roxo no meio de uma pastagem deserta. O ipê estava florido, imponente, carregado de lindos buquês, sem uma única folha, e o chão ao seu redor também estava colorido de roxo. Parecia um cenário montado, um arranjo de festa. O ipê dominava a paisagem. Era a única árvore.
Esta é a questão, a solidão da árvore. Olhei bem para um cenário quase vazio, para esta resistência anarquista, e me perguntei: onde estão as outras árvores? Por que este ipê insiste?
O fim das árvores surge sem que muita gente sequer perceba. Ou, se percebe, não diz, não olha, não ouve.
No começo, derrubaram uma ou duas. Depois mais, mais e mais. Derrubaram para fazer casas, currais, pontes. Derrubaram para fazer fogueiras, para esquentar comida, para cozinhar pedras. Desmataram para fazer lavouras, para implantar pastos. E não pararam mais. Uma, duas, milhares. Aos poucos, ou muitas de uma vez só. Com fogo, com produtos tóxicos, com máquinas.
Muitas morreram, sem que nunca se tenha chegado à causa da morte. Acho que morreram de solidão. Árvores não gostam de viver só. Precisam de companhia, de outras árvores e de bichos, de toda espécie: insetos, mamíferos, aves..., como os humanos também precisam.
As pessoas ainda dizem: “uma só, não vai fazer falta.” Ou então: “melhor é ter o que comer, é poder criar gado e plantar grãos.” E desta forma, elas estão desaparecendo. Não se pode afirmar que é algo que acontece às escondidas. Não, até estatísticas criaram para noticiar seu desaparecimento: “região perde duzentos campos de futebol de mata”. Ou ainda: “desmatamento cresce 50% no norte do país”. Alguém pode alegar inocência ou desconhecimento do fato?
Muitas pessoas brigaram por elas, mas foi inútil. E não foram poucos os que morreram por defendê-las. Caíram também, abatidos, derrubados, apeados violentamente de sua luta.
Quando já era tarde, tentaram plantar, replantar, mas boa parte do conhecimento necessário para fazer com que vigorassem e aumentassem já se perdeu. Plantam em época errada, sem chuva, sem proteção, sem sabedoria alguma. Plantam, quando o fazem, como se cuidar de uma vida fosse algo mecânico, automático, algo simples, e não é. Confundem as coisas ao imaginar que uniformização seja a solução. E muitos não plantam árvores, matas, mas criam desertos, áreas estéreis. Ainda há perspectivas, muitos estudos e práticas tentam reverter a situação.
E aí está o ipê roxo a nos indagar qual será o nosso destino sem sua sombra, sem suas raízes, sem seu tronco para nos apoiar. Bravo, ele ainda resiste, ainda consegue nos encarar e afirmar: “corram em círculo e vocês não vão chegar a lugar algum.”
3 comentários:
A tendência, parece, é a de "desbastar", retirar e isolar. Muitas vezes fazemos com partes nossas que "não gostamos". Talvez o melhor seria o entendimento e a compreensão do que é a vida para perceber que a qualidade está na diversificação e o respeito. Dessa forma, a mordida não seria doída! Bj
Mara Maciel
A tendência, parece, é a de "desbastar", retirar e isolar. Muitas vezes é o que fazemos com as partes que "não gostamos". Melhor seria o entendimento e a compreensão do que é a vida para percebermos que a qualidade está na diversidade e no respeito.
Mara Maciel
Pois é menino...poeta...lutador visionário, não vou escrever aqui, mas, lembre sempre e não esqueça aquele dito de Brecht...existem alguns que...lembra, pois é!a luta é dura, mas é bela e viva!!!
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