quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Teatro em Uberaba nos anos 1970: algumas reflexões pessoais
Segunda
cena: como chegamos ao teatro?
Desde
1970, eu sabia que existia um prédio, na Rua Alaor Prata, no centro da cidade de Uberaba,
onde funcionava um teatro. O que eu não sabia direito era o que significava um teatro. Mas
não foi por isso que eu nunca tinha entrado lá até então. Acho que foi porque não tinha
surgido uma boa oportunidade antes. Meus pais poderiam ter me levado, mas eles
deviam estar muito ocupados nesse tempo.
Acabou
que eu fui sozinho. Quer dizer, éramos em três ou quatro amigos, curiosos com o
que acontecia lá dentro. Se alguém nos tivesse conduzido, talvez não nos
interessasse tanto. Sabe essa história? É que um professor de Português, o
Décio Bragança, iniciando sua carreira como professor, com o gás todo, nos
colocou para ler poemas e fazer jograis. Entusiasmamo-nos e resolvemos dar um
passo além. Um amigo, colega de ginásio, o Jorginho Zaidan, disse que conhecia
uns caras que faziam teatro e que um deles, o Aldo Roberto, estava procurando
atores para uma peça de teatro infantil. Por que não?
O
Aldo era uma “máquina”, no bom sentido, de fazer teatro. Montava uma peça e
logo já estava montando outra. Ele tinha vindo de uma experiência muito boa em
São Paulo, onde teve a chance de ser dirigido pelo Antunes Filho, um grande
diretor do teatro brasileiro. Lá, ele conheceu e conviveu com muitos atores,
atrizes, gente do meio artístico, e adquiriu um senso profissional importante.
Só que ele já estava encenando uma peça, “O gato de botas”, da Maria Clara
Machado, e nos pediu para esperar um pouco. Enquanto isso, poderíamos “entrar
no clima” e frequentar o teatro, conhecer como funcionavam as coisas ali.
Já
trabalhavam com o Aldo, o Leonardo Teixeira e o Zebeto Fernandes, que vinham de
outras experiências com teatro na Casa Paroquial da Igreja São Domingos. Depois,
ficamos conhecendo o Antônio Carlos, o Anadir, a Márcia e a irmã dela, a
Betinha, os irmãos Kikuichi e tantos outros que já acompanhavam o Aldo desde
1969 e conheciam o teatro de outras montagens. Meu receio é esquecer alguém.
Faz tanto tempo!
No
mesmo espaço do teatro funcionava, aos sábados, o Cine Clube, dirigido pelo
Guido Bilharinho, acompanhado de perto por intelectuais da cidade, como o Paulo
Souza Lima, o Ronaldo Campos, Lincoln Borges de Carvalho, meu pai, e o Maurílio
Cunha Campos. Não devo esquecer os estudantes da FISTA, em especial os do Curso
de Filosofia, e outros frequentadores da cena local: o Jorge Nabut, o Demilton Dib, o Henry Brandão, o Mário Edson...
Maurílio
era o grande incentivador das artes na cidade, era a “alma” do teatro, ex-secretário
de educação do município, amigo do meu avô, de quem conseguiu o empréstimo
gratuito do galpão onde funcionava o teatro, que ele chamava, carinhosamente,
de “teatrinho”.
Então,
enquanto aguardávamos a hora de “entrar em cena”, de pisar no palco, conhecemos
um mundo novo, muito além do colégio, da sala de aula, das ruas e de outros
espaços próximos, por onde circulávamos, um mundo novo, o mundo da arte, do
cinema que era algo muito mais interessante do que o mero entretenimento dos
faroestes das sessões vespertinas. Entramos em contato com a música popular
brasileira, com compositores como Noel Rosa, Pixinguinha, João Gilberto, Nara
Leão, Chico Buarque, Maria Betânia, Caetano, Gil e tantos outros. Ouvir essa
música, assistir a filmes de Godard, de Nelson Pereira dos Santos, de Glauber
Rocha, de Fellini, de Antonioni, de Bergman, discutir a pintura modernista, o
abstracionismo, o cubismo era um jeito de vencer a censura, o medo, o
obscurantismo do regime militar e da estética obtusa da repressão e suas
imbecilidades. Por isso, o teatro foi mais do que uma circunstância passageira,
foi um aprendizado inestimável, foi uma lição das coisas do mundo, como disse o
Paulinho da Viola: “as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”. O
teatro foi nossa escola. O aprendizado do mundo começava ali. Em busca do
tesouro.
Antonio Carlos, Helio Maurício e Maurício
Aldo Roberto
Aldo Roberto
Helio Maurício, o Rei, e Zebeto
Rui Rezende e Aldo Roberto
Algumas das fotografias acima foram copiadas de amigos em perfis do Facebook.
Viva
o TEATRO!
No
dia 31 de outubro, a partir das 10h, estarei na Livraria Alternativa
(Rua Major Eustáquio, 500), conversando sobre o teatro dos anos 1970 em
Uberaba. Venham tomar um café, conversar, relembrar.
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Um comentário:
Que belo presente Renato, conhecer um pouco da história do teatro em Uberaba no ano em que o TEU completa 50 anos. Quantas pessoas já lutavam pelo simples direito de pensar, fruir da estética, da filosofia, da vida enfim.
Muito obrigado por preservar a memória viva de grande parte dessa história, que é de todos nós. Parabéns.
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