Renato Muniz B. Carvalho
Na fazenda do meu avô, faz tempo, parecia que o mundo ia ser sempre igual. Ano após ano, a sensação que predominava era a de que tudo ficaria do mesmo jeito,
indefinidamente, nada mudaria ou mudaria muito pouco. Essa era a percepção predominante.
A alternância entre dia e noite, apesar das alterações óbvias entre claro e escuro,
entre criaturas diurnas e noturnas, entre temperaturas desiguais, entre a hegemonia
do sol ou da lua, isso não contava no rol das modificações consideradas. Mudanças
decorrentes de variações nas estações: calor e chuva no verão, frio e seca no inverno
etc., não eram entendidas como tal, mas como situações externas ao mundo, e se repetiriam
de forma contínua séculos afora. Ou seja, o normal era um mundo fixo, rígido, um
mundo que seria invariável, apesar da passagem do tempo.
Vez ou outra caía uma árvore, os córregos enchiam e transbordavam, pontes
desabavam, incêndios queimavam os pastos, mas essas também eram ocorrências não
computadas no universo das transformações significativas para quem se dispusesse
a olhar o mundo com um pouquinho mais de atenção. Aliás, não perceber que o
mundo mudava e não fazer a devida leitura da realidade era habitual para muita gente.
Para certas pessoas, tanto no meio rural quanto nas cidades, as perspectivas eram
bastante limitadas. Omissões, deturpações, interesses particulares e visões dominantes
dificultavam ou impediam a leitura crítica do mundo. Isso quando as leituras não
apareciam prontas, mastigadas, sem grandes questionamentos. A sociedade patriarcal
determinava quais leituras aceitar e sua interpretação. O que escapasse para além
das estreitas margens conhecidas era punido, recusado e censurado.
Eleições eram comandadas por salientes chefes locais, que indicavam em quem
votar. As trajetórias educacionais e as carreiras profissionais eram limitadas.
Uma vez escolhida a profissão, isso devia valer para o resto da vida. Casamentos
também: “até que a morte os separe”. Aos mais jovens que ousassem questionar a ordem
estabelecida se dizia que quando fossem mais velhos desistiriam de “mudar o mundo”.
Esta era a epígrafe – ou o epitáfio – do conservadorismo.
A morte era um acontecimento fora do padrão no contexto vigente. Dificilmente
isso era entendido como algo que fazia parte da vida, daí seu impacto, sua ocultação
dos pequenos, seu caráter trágico, excepcional, místico.
Mas o mundo mudava, ora menos, ora mais, às vezes de forma mais lenta ou
mais rápida. O fato é que surgiam músicas novas, ideias novas, jovens
lideranças despontavam no cenário político e cultural, antigas concepções se desmanchavam
no ar, a ciência abria caminhos decisivos e a arte desembaraçava horizontes.
Embora as ameaças de retrocesso não desapareçam por completo, o processo
histórico empurra as sociedades rumo ao futuro. E isso não costuma acontecer sem
conflitos. Velho e novo se chocam mais cedo ou mais tarde. Daqueles tempos
adolescentes, restou um aprendizado: o mundo muda, é inevitável, e vai
continuar mudando.
Crônica publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67
Revisão: Revise Reveja. Clique aqui.
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