Renato Muniz B. Carvalho
Tem uma coisa complicada no mundo:
prestar atenção. A minha vida inteira tentaram me ensinar a prestar atenção: no
quadro, ao atravessar a rua, na carteira que sempre levo no bolso de trás, no ponto
certo para descer do ônibus, nas entrelinhas do discurso político, na pessoa sentada
na cadeira ao lado e na estrada afora. Presta atenção! Atenção às coisas do mundo,
aos sinais do clima, às nuvens, à chuva, aos indícios de que os ventos podem mudar
de direção, aos acenos dos amigos, aos olhares enigmáticos.
Difícil é perceber os detalhes e
desvendar seus significados. Eu sempre fui um desatento, um distraído. Fui descuidado
quando o professor de matemática tentou me explicar trigonometria, seno, cosseno
e tangente. Não sei onde estava com a cabeça quando meu avô tentou me ensinar a
ganhar dinheiro. Eu queria namorar, conhecer o mundo, inventar caminhos para percorrer
sem preocupações, nas montanhas a escalar, nos mares em que poderia navegar, mas
ele insistia em falar de juros, de ações, do mercado financeiro, de câmbio e outras
tantas situações incompreensíveis para um adolescente sonhador.
Fui um eterno desmazelado com minhas
roupas, meus sapatos, e nunca aprendi a dar nó em gravata. Mas nunca fui desleixado
com a dor alheia, com a revolta dos injustiçados, com as carências históricas dos
desamparados. Nunca vacilei ao denunciar o desmatamento, a poluição das águas e
do ar, o envenenamento dos alimentos ou a opressão contra os mais fracos.
Nos raros momentos em que presto
atenção em algo, é quando leio histórias empolgantes e me envolvo no enredo; só
largo o livro quando chego ao final, mesmo que seja de madrugada. Distraído, nem
reparo no amanhecer, sei que é impossível abandonar a leitura.
Queria ter prestado mais atenção
às árvores. Algumas pessoas dizem que conversam com elas, afirmam que sabem quando
estão tristes. Não sou refratário às tristezas, às angústias e a outros sentimentos
importantes; podem me acusar de ingenuidade, mas não de descaso. Confesso os lapsos
de memória, fraqueza nos assuntos do coração, talvez, fascínio e atração exagerada
pelo mundo ao meu redor. Deve ser paixão o que me faz admirar as pessoas, as árvores
e os animais sem pedir explicações. Queria olhar para os troncos das árvores e encontrar
os indicativos da passagem do tempo, olhar o movimento dos galhos e das folhas,
o colorido das flores, suas infinitas formas, e descobrir os segredos da natureza.
Queria prestar mais atenção aos pássaros, aos seus voos, à dança das abelhas, aos
rastros dos animais noturnos que bebem água na beira do rio. Queria identificar
as aves pelo seu canto e a intenção das pessoas pelo aperto de mão, pelo olhar,
pelo beijo e pelo abraço que nos dão ou negam. E queria saber o que está pensando
a menina ao meu lado quando sorri para mim.
Publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67
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