terça-feira, 7 de junho de 2022

Presta atenção!

 Renato Muniz B. Carvalho

Tem uma coisa complicada no mundo: prestar atenção. A minha vida inteira tentaram me ensinar a prestar atenção: no quadro, ao atravessar a rua, na carteira que sempre levo no bolso de trás, no ponto certo para descer do ônibus, nas entrelinhas do discurso político, na pessoa sentada na cadeira ao lado e na estrada afora. Presta atenção! Atenção às coisas do mundo, aos sinais do clima, às nuvens, à chuva, aos indícios de que os ventos podem mudar de direção, aos acenos dos amigos, aos olhares enigmáticos.

 Difícil é perceber os detalhes e desvendar seus significados. Eu sempre fui um desatento, um distraído. Fui descuidado quando o professor de matemática tentou me explicar trigonometria, seno, cosseno e tangente. Não sei onde estava com a cabeça quando meu avô tentou me ensinar a ganhar dinheiro. Eu queria namorar, conhecer o mundo, inventar caminhos para percorrer sem preocupações, nas montanhas a escalar, nos mares em que poderia navegar, mas ele insistia em falar de juros, de ações, do mercado financeiro, de câmbio e outras tantas situações incompreensíveis para um adolescente sonhador.

 Fui um eterno desmazelado com minhas roupas, meus sapatos, e nunca aprendi a dar nó em gravata. Mas nunca fui desleixado com a dor alheia, com a revolta dos injustiçados, com as carências históricas dos desamparados. Nunca vacilei ao denunciar o desmatamento, a poluição das águas e do ar, o envenenamento dos alimentos ou a opressão contra os mais fracos.

 Nos raros momentos em que presto atenção em algo, é quando leio histórias empolgantes e me envolvo no enredo; só largo o livro quando chego ao final, mesmo que seja de madrugada. Distraído, nem reparo no amanhecer, sei que é impossível abandonar a leitura.

 Queria ter prestado mais atenção às árvores. Algumas pessoas dizem que conversam com elas, afirmam que sabem quando estão tristes. Não sou refratário às tristezas, às angústias e a outros sentimentos importantes; podem me acusar de ingenuidade, mas não de descaso. Confesso os lapsos de memória, fraqueza nos assuntos do coração, talvez, fascínio e atração exagerada pelo mundo ao meu redor. Deve ser paixão o que me faz admirar as pessoas, as árvores e os animais sem pedir explicações. Queria olhar para os troncos das árvores e encontrar os indicativos da passagem do tempo, olhar o movimento dos galhos e das folhas, o colorido das flores, suas infinitas formas, e descobrir os segredos da natureza. Queria prestar mais atenção aos pássaros, aos seus voos, à dança das abelhas, aos rastros dos animais noturnos que bebem água na beira do rio. Queria identificar as aves pelo seu canto e a intenção das pessoas pelo aperto de mão, pelo olhar, pelo beijo e pelo abraço que nos dão ou negam. E queria saber o que está pensando a menina ao meu lado quando sorri para mim.


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quarta-feira, 1 de junho de 2022

Esperar é uma arte

Renato Muniz B. Carvalho

             As pessoas se dividem entre as que sabem esperar e as que não sabem. Esperar é uma arte, não importa o quanto se vai esperar, não é para qualquer um. Tem gente que escuta: “me espera que eu já volto”, mas a pessoa nunca mais retorna. É a tal história, um minutinho se transforma numa eternidade. Esperar ou não, deixar esperando ou não, é de cada um, é prova de resistência ou demonstração de impaciência.

 Dom Sebastião, por exemplo, rei de Portugal entre 1568 e 1578, fiel defensor da religião e das soluções militares, foi ao Marrocos lutar uma guerra e nunca mais voltou. Muitos portugueses esperaram a vida inteira pelo retorno do monarca. Os historiadores afirmam que ele morreu na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Quem disse que o povo acreditou? Virou lenda o pobre Dom Sebastião. Seu desaparecimento levou Portugal à formação da União Ibérica com a Espanha, o que significou a perda da independência portuguesa.

 Acredite quem quiser, mas no Brasil também teve quem ficou esperando o rei português retornar para ajudar na luta contra o “ateísmo reinante”. Foi no século XIX, no sertão da Bahia, durante a Guerra de Canudos. Fato semelhante também teria acontecido durante a Guerra do Contestado (1912 e 1916), mas pode ter sido intriga dos opositores. Bem, para não ser parcial, sempre aparece alguém clamando por mitos, até nos dias atuais. Será que esperar demais provoca algum tipo de trauma?

 Tempos de espera são desiguais de pessoa para pessoa. É como se cada uma tivesse seu próprio relógio biológico — melhor dizendo: seu despertador biológico, onde o que conta é a capacidade de esperar. Uns adiantam, outros atrasam, e não tem a “hora oficial”. Algumas pessoas esperam a vida inteira, como os portugueses que esperaram por Dom Sebastião, e tem quem não consegue esperar o sinal abrir e já acelera, provocando acidentes, colocando a vida dos demais em risco.

 A espera, e a sua negação, têm consequências diversas para a vida humana e o planeta. O apressadinho não consegue esperar uma árvore crescer e, talvez, por isso mesmo nunca se preocupa com o plantio ou o reflorestamento, além de ignorar o esforço de quem planta. Falta-lhe compreensão do processo biológico, da germinação da semente, da brotação, do crescimento, da fotossíntese. Outros não se importam com o desenvolvimento das crianças, desde seu nascimento, seu crescimento e sua felicidade. São os que negam seus direitos, impedem o exercício de sua autonomia, recusam-lhes educação de qualidade, saúde, segurança e carinho.

 É necessário saber esperar, mas, igualmente, é preciso agir para mudar o rumo das coisas. Não se deve esperar um déspota cair de podre, mas acelerar sua queda, não se pode esperar sentado que uma injustiça seja reparada, mas lutar contra as arbitrariedades. É preciso plantar árvores, viajar, amar… Está esperando o quê?


Publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67

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