quarta-feira, 11 de maio de 2022

A vida por um fio

Renato Muniz B. Carvalho

Para alguém, como eu, que passou parte da infância sem ter telefone em casa, me espanta o desespero dos que, súbito, constatam a ausência de sinal de celular. A cara de susto e a angústia da pessoa “descelularizada” são dignas de pesquisa antropológica — e de pena. Para os mais agitados, é como perder uma perna, um braço, a cabeça. O que pensar disso?

Não é difícil, hoje, constatar que certos indivíduos vivem em função do celular e das redes sociais. Sua existência está atrelada a isso, caso contrário, desaparecem, socialmente falando. O celular virou personagem, virou ícone, virou mercadoria com notória elegância e apelo sensual. Mas o problema, para os obcecados, é que celulares são efêmeros, duram pouco, logo ficam desatualizados. Pobres aparelhos ultrapassados! Quando atingem o limite da validade, perdem o requinte, o poder e a modernidade. Os sedutores pedacinhos de metal, que até pareciam inteligentes, viram pó, vão para a reciclagem ou ficam esquecidos eternamente no fundo de uma gaveta. Quem diria! A solução é correr para comprar outro.

Desde quando nos tornamos “celular dependentes”? Ontem? Décadas atrás? Falando nisso, qual a “idade” das redes sociais? Uma busca rápida na internet nos informa que a mais conhecida delas surgiu nos anos 2000. Acabou se tornando popular, capaz de enviar mensagens com eficiência, incluindo textos, áudios e vídeos, além das figurinhas. Um caso de sucesso. Eu acho cedo para respostas definitivas. Uma finada rede social, que balançou o coração da moçada no início do século XXI, durou dez anos e desapareceu, alguém se lembra? Quantas mais surgirão e desaparecerão num piscar de tela? Fazem parte do novo mundo, em constante transformação, ao qual estão atentos políticos e empresários tentando aumentar seus lucros e dividendos.

A popularidade dos celulares e das redes sociais não se sustentaria sem os grupos, sem a ligação umbilical que se forma entre “amigos”, “seguidores” e “seguidos”. Grupos são formados a toda hora, existem em função de conveniências diversas: discutir e fazer política, debater arte e literatura, receber orientações de saúde, aleitamento materno etc., etc. Existem grupos de empresas, de órgãos públicos, de associações, de indivíduos que se juntam a partir de sabe-se lá o quê. Quem forma os grupos? Qual a duração de um grupo? Desconheço pesquisas sobre o assunto. As redes sociais ainda são muito recentes, mal ultrapassaram o limite de duas ou três décadas.

 Os grupos nas redes sociais substituirão a imprensa? Como ficarão a comunicação humana e a necessidade de informação confiável nesse contexto? O impacto da internet para a imprensa tradicional merece reflexões mais consistentes, ainda bem que tem gente séria comprometida com os fatos e sua interpretação. Penso que a nossa obrigação é lutar pela democratização da informação, senão a própria vida fica por um fio, o da navalha.


Publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67

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