Renato Muniz B. Carvalho
Penso que nenhum estudante do ensino
fundamental escapou do título acima nas redações obrigatórias de início do ano escolar.
Provavelmente, uma boa parte das narrativas relacionava-se às férias passadas em
fazendas de parentes ou amigos, sobretudo no interior, onde a ligação com o meio
rural era significativa.
Os relatos concentravam-se nos passeios
a cavalo, nos banhos de cachoeira, na gostosa comida feita no fogão a lenha e nos
namoros efêmeros. A memória afetiva conservou e se deixou levar, anos afora, por
essas recordações. Paixões, lembranças e descobertas povoaram — e ainda povoam —
os textos produzidos. Parece, entretanto, que essa referência temática vai entrando
em declínio diante da urbanização acelerada da vida social e das inevitáveis transformações
socioeconômicas em curso.
Nas idas à fazenda do meu avô, me
recordo da quantidade de pacotes, sacolas e objetos diversos. Era muita coisa, mesmo
que fôssemos ficar apenas um final de semana. Pensando bem, com a devida distância
no tempo, dava dó da minha mãe: cabia a ela separar, organizar e guardar roupas,
botinas, alimentos, querosene, vela, esparadrapo etc. O volume da bagagem indicava
que passaríamos, no mínimo, um mês na fazenda. Um dia, meu irmão caçula ficou para
trás. Quando meus pais se lembraram, estavam quase saindo da cidade e tiveram de
voltar, apavorados com o esquecimento.
Já adolescentes, meu irmão e eu ganhamos
autonomia para irmos sozinhos à fazenda. Naquele tempo, a eletricidade já tinha
dado as caras. Meu avô vinha nos buscar e saíamos bem cedo, escuro ainda, curtindo
o frio da madrugada na carroceria de uma velha camionete. Na tralha que levávamos
não faltava pão sovado, baralho, livros, chapéu e uma muda de roupas. Certa vez,
como não nos agradasse a programação das estações de rádio — e indiferentes em
relação ao tamanho da bagagem —, resolvemos levar um toca-discos portátil. Queríamos
escutar o Milton, o Chico, o Vandré, o Gil, o Caetano, o Bob Dylan, a Joan Baez
e outros artistas de nossa preferência. À noite, na varanda, escutávamos música,
conversámos e líamos bastante.
Tenho certeza de que não incomodávamos
ninguém, nem bicho nem gente. O som alcançava poucos metros, não indo além do limite
tênue da luz. Penso nisso quando me deparo com recente relatório do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que identifica alguns problemas ambientais
atuais (fevereiro de 2022). Segundo o documento, a poluição sonora nas cidades é
uma ameaça à saúde pública. Som alto e constante prejudica a saúde, acarretando
“irritação crônica e distúrbios do sono, resultando em doenças cardíacas e distúrbios
metabólicos graves, como diabetes, deficiência auditiva e saúde mental mais comprometida”.
Tenho boas recordações daquele tempo.
Certas canções entraram para a história, sem se perderem os sons suaves daquelas
noites guardadas na memória. Hoje, quem não tira férias são os ruídos que nos cercam,
insensatos e insanos. Um flagelo!
Para ter acesso ao Relatório
completo, clicar aqui: https://www.unep.org/pt-br/resources/fronteiras-2022-barulho-chamas-e-descompasso
Publicada no Jornal da Manhã:
https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,675
Revisão: ReviseReveja. Clique aqui.
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