Renato Muniz B. Carvalho
Penso que, se alguém deseja cruzar as fronteiras da comunicação entre humanos e animais, uma das primeiras providências deve ser saber o nome do interlocutor, sejam papagaios, cãozinhos, bovinos, porquinhos, galinhas etc. Cavalos sempre tiveram personalidade forte. Um cavalo que me vem à memória é o famoso Rocinante, a magricela montaria de Dom Quixote, personagem do livro de Miguel de Cervantes. O cavalo do meu avô chamava-se Gavião. Qual cavalo vem à sua memória: Pégaso, Pé de Pano, Ventania? Uma vez nomeados e identificados, os bichos adquirem personalidade e espera-se deles que compreendam as ordens humanas ou, ao menos, deem algum retorno.
Na fazenda do meu avô, eu gostava de observar as várias “linguagens”. Eu gostava de ouvir o “ti ti ti”, da Dona Auxiliadora ao chamar as galinhas, o “cocho, cocho, cocho” do Bastiãozinho quando ele chamava os porcos no mangueiro. Os cachorros recebiam maior atenção e vocabulário diferenciado: “pega!”, “deita!”, “quieto!”, além de conversas mais elaboradas.
Atenção inconfundível também recebia a vacada leiteira. Elas tinham nomes e orientações específicas relacionadas a cada momento da vida: prenhez, parição, ordenha, desmama etc. Eu gostava de vê-las chegando ao curral, respondendo ao chamado: “vem, vem, vem…”.
Onomatopeias à parte, uma falsa ideia de superioridade leva muita gente boa a crer que os animais os compreendem e, portanto, os obedecem. Esperam respostas no mesmo nível de complexidade — o que para alguns humanos não é difícil —; respostas às ordens e aos comandos, na maior parte dos casos. Eis a origem de tanta incompreensão, de tantas agressões, distorções e desentendimentos. Ah, o desprezo pela comunicação! Não me refiro à correção gramatical, isso é outra coisa.
Eu presenciei, durante as férias passadas na fazenda, inúmeras tentativas frustradas de conversação. O lado mais triste disso tudo é que a aparente incapacidade animal de entender ordens era punida com pauladas, chicotadas e coisas piores. Inadmissível! Sempre existiam os mais pacientes e condescendentes — neste caso, refiro-me aos humanos, que tinham um carinho especial com as criações, e não ficavam irritados se não havia retorno. Reconheça-se, eram os que recebiam alguma resposta, os que sabiam ouvir o que tinham a dizer bezerros, cães e outros animais, fosse por vocalização, olhar ou expressão corporal. Muita gente não tem ideia da força de um olhar. Nesses momentos, é inútil ter pressa ou agir com violência, atitude comum da maioria, infelizmente. O diálogo, para humanos e animais, se há boa vontade, é possível. E imprescindível!
Publicada no Jornal da Manhã:
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