Renato
Muniz B. Carvalho
Tomávamos banho todo dia; as refeições eram feitas à mesa da sala, com os mais velhos; tínhamos nossas responsabilidades em relação aos cômodos onde dormíamos e brincávamos. Os horários definidos para comer, estudar, dormir e brincar eram respeitados. Existiam normas, mas não eram impostas, eram negociadas. Não era perfeito, nem tinha a exatidão de um relógio, mas funcionava. Isso afetava os relacionamentos com as outras pessoas, pois muita gente nos tachava de, no mínimo, excêntricos, mesmo parentes próximos. Alguns nos enxergavam como um bando de bagunçados. Nunca quebrávamos as normas? Quase sempre! Ora, o que é a aprendizagem senão avançar além dos limites? Éramos uma família comum, com seus problemas, fragilidades e dificuldades, mas a maioria das questões polêmicas era resolvida na base da conversa: Posso sair hoje à noite? Que horas devo voltar? Posso dormir na casa do meu colega? Posso viajar com meu tio? Não quero ir à escola hoje. Não estou com fome. Posso ficar pelado no meio da casa? Tentativas, experimentos e verificação dos limites eram relevantes. Em outras palavras: aprendizagem para a vida, com seus inevitáveis erros e acertos. Não foi fácil! As imposições da época exigiam: “regras existem e não devem ser quebradas”. O comportamento padrão e patriarcal reforçou, em muitas pessoas, atitudes amarguradas, desconfiadas, acanhadas, conservadoras. É triste constatar isso.
Passar as férias na fazenda do meu avô ampliava a sensação de liberdade. Tínhamos espaço à disposição, contato com árvores, animais, rios, cachoeiras e pessoas diferentes, que ali trabalhavam ou que por ali passavam. A orientação era respeitar e entender as diferenças. Não maltratar o cavalo que nos carregava nos passeios, não estragar troncos nem quebrar os galhos das árvores, não causar danos às plantações, seja na hortinha de couve ou nas extensas lavouras de milho e arroz, e jamais discriminar, humilhar ou debochar das pessoas.
Éramos livres e abertos para indagações e questionamentos diversos. Sabíamos que não viriam safanões ou cara feia por desejar saber como funcionava o mundo, embora soubéssemos que certas perguntas eram inconvenientes para uns, enquanto outras eram restritas ao mundo adulto. Meus pais rebolavam para se desviar das armadilhas pedagógicas quando o assunto era controverso. Política, sexo e religião eram os assuntos mais delicados, mas nunca escamoteados.
De modo geral, salvou-se uma melhor compreensão do mundo e de suas contradições. O melhor de tudo: uma educação não repressora apresenta melhores resultados, mas muita gente não compreende e não está disposta a abrir mão de seu micropoder. É pena!
Publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,675
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