Renato Muniz B. Carvalho
Ah, as palavras! Tão simples e tão
complexas, dependendo do que fazemos com elas, de quem as utiliza. O que fazer?
Endeusar, engessar, ignorar, modificar, estudar… Eu prefiro brincar, prefiro rir,
sonhar, descobrir novos significados e usos. Prefiro guardá-las na algibeira, ou
será no alforje, no embornal, no bolso? Quando precisar de uma, eu pego e escrevo,
falo, grito, sussurro.
Será que alguém ainda sabe o que é um embornal? Melhor guardar na pochete. Pochete? Por acaso, os lexicógrafos já registraram esta palavra? Meu computador não reconhece. Se não está registrada, não pode? Mas está lá, nos dicionários: substantivo feminino, veio do francês “pochette”, perdeu um “t” e foi aportuguesada. Hoje, está nas cinturas, servindo para guardar dinheiro, documentos, bugigangas, além dos meus medos, que não os quero esparramados por aí. Alguns a consideram brega, fora de moda, mas eu gosto e sigo usando, o objeto e a palavra.
Na minha infância, eu gostava de prestar atenção nas conversas dos adultos, com o consentimento deles, é claro! Eu queria aprender muitas coisas, saber das novidades do mundo, conhecer palavras diferentes, até inventar algumas. Na fazenda do meu avô, convivíamos com uma realidade diferente daquela com a qual estávamos acostumados na cidade. Outra cultura, outros hábitos e palavras desconhecidas para mim. O que me deixava admirado eram as pronúncias, as gírias, os sons. Eu ficava curioso com os sotaques, com a articulação do texto, com a espontaneidade da fala.
Jovem inexperiente, abarrotado de ignorâncias, principiante quanto ao vocabulário e inábil com os códigos, eu enxergava erros, imperfeições, falhas. Mas o equivocado ali era eu. Mais tarde, reconheci os preconceitos e iniciei um longo caminho de superação. Quanto mais eu tentava compreender a multiplicidade da linguagem, mais eu ficava maravilhado, mais eu percebia sua riqueza. Um mundo fantástico. Depois, veio o tempo das leituras, das descobertas literárias, da fantasia e da vontade de mudar o mundo.
Tem coisas que a gente pega depressa, outras demandam mais tempo. Adolescentes são afobados, quase tudo relacionado a essa fase é urgente, é cachoeira, e não remanso. O exercício da paciência deveria fazer parte do currículo escolar. Com impaciência, passamos por cima de muita coisa, pulamos etapas, escalamos a montanha sem ter aproveitado a planície. Nesse processo, muitas palavras ficam pra trás, sentimentos são menosprezados, perdem-se conceitos, ganha a intolerância. Eu segui incorporando palavras.
Minha tristeza foi quando, um dia, encontrei uma taubinha — para quem não sabe: “tábua pequena” —, e não pude usar. De uso muito comum no meio rural e presente na música popular brasileira, uma simpatia. Mas não constava dos dicionários. Logo apareceu alguém que desaprovou, até topei com um termo incomum: metátese. Negaram, assim como hoje pretendem impedir expressões capazes de incorporar a diversidade humana, promover maior inclusão. Com autoritarismo, querem congelar algo que não se controla: a língua. Será medo do futuro?
Adoniram Barbosa: Saudosa Maloca (1951): “Cada táuba que caia/Doía no coração”; e Tiro ao Álvaro (1960): “De tanto leva frechada do teu olhar/Meu peito até parece sabe o quê?/Táubua de tiro ao Álvaro...” Esta música, escrita em parceria com Osvaldo Molles, foi censurada pela ditadura militar “por conter uma letra humorística com palavras propositadamente incorretas”.
Publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67
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