Renato Muniz B. Carvalho
O que é uma pessoa qualquer?
Você conhece uma pessoa qualquer? Sabe onde encontrá-la? Como iniciar uma
conversa com ela? Ela existe? Não estou ficando maluco nem estou sem assunto,
essa é uma preocupação relevante para muita gente. Você nunca se deparou com
uma pessoa assim? Nunca usou este termo para se referir a alguém? Sim, uma pessoa
qualquer existe, trabalha, paga contas, faz compras no supermercado, recebe
valores, conta pequenas mentiras, algumas assistem à TV até tarde da noite e
outras leem livros.
Uma pessoa qualquer pode ser
homem, mulher, LGBTQIA+, nova, velha, estrangeira, feliz, infeliz, pouco
importa, pode ser que ela nem queira se identificar, se mostrar ou revelar de
fato quem é. Uma pessoa qualquer pode ser rica, pobre, miserável, pedinte,
cientista, milionária excêntrica ou nada disso. Talvez, nós jamais descobriremos
quem é esta pessoa.
Ela pode estar do nosso lado,
visível ou invisível, coladinha, pode estar a ponto de nos dar um beijo ou um
soco no estômago. Também pode estar a quilômetros de distância, do outro lado
do mundo, e nem sonha com nossa existência. No mínimo, isso faz dela uma pessoa
instigante, ou não?
Uma pessoa qualquer pode ser
qualquer pessoa, e isso não é um trocadilho, muito menos uma armadilha
semântica. Ela pode abrigar dentro de si todas as pessoas do mundo e ser única
ao mesmo tempo. Só por esta razão, uma pessoa qualquer já merece nossa atenção.
Imagine a potência criativa e existencial de uma pessoa com tais
características! Nunca se sabe o que vem daí, qual o tamanho da sua riqueza
humana e de sua diversidade cultural. As religiões, as artes e as ciências
disputam-na, mas nenhuma delas conseguiu decifrá-la totalmente.
Outro dia encontrei uma dessas
pessoas. Podem acreditar! Eu estava caminhando, ela também, ela olhou pra mim,
eu olhei pra ela, e nos reconhecemos, como pessoas. Como eu sabia que estava
diante de uma pessoa qualquer, dei um sorriso e recebi outro — reciprocidade.
Na medida em que dava passos largos em direção a ela, imaginava as perguntas
que faria. Quais são seus sonhos, o que ela pensa do aquecimento global e do
futuro da humanidade, sobre a política — será que ela já definiu seus
candidatos às próximas eleições? —, se tem filhos, se está na faculdade, se
trabalha, se come bem, se vai viajar no fim do ano? Tantas perguntas…
E se ela me fizesse as mesmas
perguntas? O que eu responderia? Eu gostaria que ela perguntasse sobre minhas
leituras preferidas, sobre os livros que estou lendo, sobre como eu vejo as
perspectivas políticas atuais e qual foi o último filme a que assisti. Talvez
eu lhe perguntasse que horas são ou onde fica a sorveteria mais próxima.
Talvez ela só quisesse me dizer que o cadarço do meu sapato estava desamarrado.
Crônica publicada no Jornal da Manhã, em 01-12-2021.
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