Renato
Muniz B. Carvalho
Duas datas importantes
vão exigir nossa atenção em 2022. Não estou me referindo às eleições, embora elas
já estejam em pauta e não é de agora. É óbvio que a política vai dominar os debates,
acirrar o ânimo belicoso que tem caracterizado a sociedade brasileira desde a segunda
década do século XXI e acentuar as divergências que nos mobilizam desde sempre,
com sensível piora nos últimos anos.
São duas efemérides
da mais alta relevância, mas que devem colaborar para o agravamento dos (des)acordos
que nos (des)unem como nação. Certamente, estarão em disputa interpretações, análises,
visões e o teor das comemorações. Pelo andar das carruagens que percorrem as estradas
esburacadas da atualidade, teremos a visão governamental e outras, inúmeras, que
se colocarão em cena, em palco aberto, encenando um espetáculo, que se espera não
termine em tragédia — a sociedade brasileira não merece isso.
Vamos abrir o
jogo: em 2022, teremos de encarar o bicentenário da Independência e o
centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Dois acontecimentos que já foram
alvo de exaustivos estudos, publicações, teses, exposições etc. Dois eventos
históricos que contribuíram para nos moldar enquanto povo. A Independência nos
definiu como país independente de Portugal, nos colocou no cenário
internacional como país e não como adendo ou possessão; deixamos de ser colônia
para alcançar a maturidade política. De forma simplificada, foi isso o que
aconteceu; talvez, não como muitos gostariam — afinal, o Brasil manteve o pior
cenário: a escravidão. Além disso, um grupo ligado à metrópole assumiu o
comando, com apoio reforçado da oligarquia rural, a mesma classe que se beneficiou
durante o período colonial. Rompimentos efetivos, capazes de nos fazer superar
os gargalos do passado, nunca se concretizaram. O ambiente social se arrasta
pesadamente, quando não retrocede, e mantém o racismo e o machismo arraigados.
A Semana de Arte
de 1922 foi justamente uma tentativa de ruptura do quadro cultural e político. O
“moderno” aqui foi uma tentativa de superar o passado, uma tentativa de construir,
pela via das artes, uma nação autônoma no quadro internacional e nacional. E mais:
a Semana influenciou, posteriormente, a política, a ciência, os costumes — como,
aliás, as artes costumam fazer, basta reconhecer sua importância. A década de 1920
foi uma época de avanços na educação, trouxe melhorias na ciência, no campo do urbanismo,
da saúde pública, do saneamento etc., e marcou o início da luta pelo voto feminino.
Foi a chance de ouro para nos tornarmos de fato um país moderno. O impacto da Semana
de 22 ecoa século XX afora e ela chega, agora centenária, ao século XXI. É uma boa
hora para refletirmos sobre seu legado e o da Independência. O “problema” que se
coloca é: como a sociedade brasileira e as diversas instituições vão fazer isso?
Vamos pelo lado ufanista e estéril ou vamos abordar com senso crítico nossas demandas
históricas?
Publicado no Jornal da Manhã, em 14-12-2021. Aqui
Revisão: ReviseReveja. Aqui.
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