No penúltimo domingo de agosto, 20-08-2017, um grande incêndio ocorreu na região do Triângulo Mineiro, atingindo vários municípios, dentre eles Uberaba, Conceição das Alagoas e Água Comprida. Diversas pessoas me solicitaram uma opinião sobre esses incêndios. Insisto na ideia de que as questões ambientais são, acima de tudo, questões sociais e, se quisermos ter um entendimento melhor sobre a realidade que nos cerca, temos de entender o contexto político e social. Eis minha colaboração:
Temporada
de incêndios
Renato Muniz B.
Carvalho
Os meses de julho, agosto e setembro são
os mais secos na região do Cerrado do Brasil Central. Nesta época, são muito
comuns os incêndios, que, às vezes, atingem grandes proporções. O Cerrado, pelo
que indicam várias pesquisas, sempre conviveu com o fogo. Várias espécies vegetais
deste bioma, pelas suas características, como casca grossa, raízes profundas
etc., sofrem menos e logo, cerca de um a dois meses, rebrotam com certa
facilidade. A partir do século XIX, diversas intervenções humanas alteram as antigas
feições do Cerrado, com a introdução de muitas espécies exóticas, não
necessariamente adaptadas ao clima e à biologia locais. Na segunda metade do
século XX, duas importantes e significativas culturas comerciais iniciam sua predominância
na paisagem do Cerrado: a braquiária e a cana de açúcar. Num espaço relativamente
curto de tempo, se estenderam por vastas áreas. Ao mesmo tempo, ocorreu a
aceleração do desmatamento e modificações intensas na paisagem, com a
introdução de outras culturas, que substituíram ou complementaram a atividade
pecuária, arroz, milho e a soja.
Este processo provocou uma perda muito
grande de biodiversidade, atingindo a flora e a fauna nativas, com
consequências gerais em toda a região. Da mesma forma, a urbanização,
intensificada no século XX, a interiorização das atividades econômicas a partir
da década de 1940 e a integração da região no processo capitalista
contemporâneo de circulação de mercadorias e de valorização das comodities, acelerou as transformações,
intensificando a dinâmica das mudanças sociais e a pressão sobre as pessoas, o
território e o ambiente.
Disso resultou o agravamento dos chamados
“problemas ambientais”, na verdade “problemas sociais”, que aumentaram no final
do século XX, a partir da década de 1990, dentre eles a falta d’água para as
populações urbanas, as inundações frequentes, principalmente nas cidades de Uberaba
e Uberlândia, e os incêndios, cada vez maiores em todo Brasil Central. Não
tenho estatísticas dos incêndios, apenas notícias frequentes nos jornais,
relatos de incêndios constantes no meio rural e urbano e reclamações de
produtores rurais.
Os incêndios causam prejuízos de ordem
diversa. Afetam as nascentes, os mananciais, matam animais da fauna silvestre,
jogam muita matéria particulada no ar, causando poluição, diminuem a
biodiversidade, afetam negativamente a fertilidade do solo, ou seja, causam muitos
prejuízos, afetam a saúde humana e contribuem para deterioração ambiental.
No caso de incêndio em pastagens de
braquiária e na cultura da cana de açúcar, a existência de muita matéria seca,
ou da palha seca, características dessas culturas, associada à baixa umidade do
ar e da falta de chuva nos meses de junho a setembro, ocasiona chamas
vigorosas, altas, capazes de grande destruição e temperaturas muito altas, que
chegam à copa das grandes árvores, em alguns casos, pulando rios, estradas,
tudo isso agravado pelo vento característico do período. Por causa disso,
muitos animais não conseguem fugir das chamas e morrem carbonizados. No solo,
as chamas matam insetos e inúmeros seres vivos que fazem parte daquilo que se
constitui um organismo vivo, o solo, em integração vertical e horizontal, como
formigas, grilos, minhocas, bactérias, fungos etc. Nas áreas de nascentes, as
chamas, ao queimar a vegetação, expõem os mananciais à erosão, à poluição, à
diminuição da capacidade de retenção de água e infiltração.
É preciso considerar que, em muitas
circunstâncias, são os próprios produtores rurais ou seus prepostos e gerentes
os responsáveis por provocarem os incêndios. Essa é uma queixa constante dos
que combatem as queimadas. Trata-se de uma constatação que causa conflitos, por
exemplo, na área do Parque Nacional da Serra da Canastra, cujas queimadas
criminosas mobilizam valiosos recursos humanos e financeiros usados para
diminuir os prejuízos ambientais.
Por outro lado, não se pode desconsiderar
a ação irresponsável dos que jogam lixo, bitucas acessas de cigarro e outras péssimas
atitudes que podem causar incêndios à margem das rodovias, em lotes vazios nas
cidades e na beira de cursos d’água, além daqueles que, propositalmente,
colocam fogo em qualquer local a seu critério, conforme sua vontade ou
ignorância.
São muitos os prejuízos causados pelos
incêndios, principalmente nos casos em que a degradação ambiental é
intensificada. O solo queimado vai ficar exposto à ação dos raios solares, do
vento e das gotas d’água que ao caírem no solo nu desagregam as partículas, até
que ocorra sua possível regeneração e posterior cobertura vegetal, entretanto, o
solo vai ficar cada vez mais empobrecido e fragilizado se não forem tomados
cuidados e práticas como cobertura verde, compostagem etc. Os animais que
conseguiram escapar das chamas estarão mais visíveis aos predadores e, como
nenhum animal vive isolado em relação ao seu ambiente, ocorre um processo de
desestruturação da cadeia alimentar, uma “desorganização ecológica”, incluindo
a morte e abandono de pais, parceiros ou crias, e a consequente redução
populacional.
O ar poluído afetará principalmente
crianças e idosos, sobrecarregando a rede de atenção à saúde, gerando maior
consumo de medicamentos e tristeza. O resultado não é bom, os prejuízos são
muitos e significativos.
Mudar essa situação é urgente! As multas
estão previstas, mas se considerarmos tudo o que já foi feito, todo o arcabouço
jurídico existente e seus complexos meandros que beiram e conduzem à
ineficácia, o melhor investimento a ser feito é em educação ambiental, em
informação e mobilização social.
A seguir, algumas fotos recebidas de amigos nas redes sociais (Infelizmente, não tenho a autoria, caso queiram, solicito sejam identificados os autores):
Abaixo, alguns links da imprensa local (Uberaba), sobre os incêndios da temporada:
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