Renato Muniz Barretto de Carvalho
Depois do almoço, meus irmãos e eu resolvemos
pescar lambaris no corguinho da fazenda. É que tínhamos comprado três varas de
pesca com a mais avançada das tecnologias: de plástico. Nada contra as antigas,
de bambu, que nós mesmos fazíamos, mas as de plástico, embora caras, poderiam
significar um ganho em termos da quantidade de peixes a serem pescados. Por
quê? Não sei, mas podia ser por causa da novidade, da tecnologia, da maior
flexibilidade, ou da curiosidade por usarmos algo diferente, novo. Coisas de
menino.
Pescar não era uma atividade tão simples quanto
parecia. Pelo menos para nós três. Exigia planejamento, estudos, decisões
várias. Uma delas era a escolha dos locais, ou seja, dos poços. Subíamos e descíamos
o córrego várias vezes em busca de um bom lugar. Tinha de ter sombra, muitas
árvores, pois assim ficávamos protegidos do sol. Tinha de ser um local de fácil
acesso, pois não dava pra chegar num lugar difícil carregando lanche, varas,
iscas, e ainda subir barrancos ou passar por arbustos cheios de espinhos. Não
podia ter caixas de marimbondo perto, nem formigueiros. E tinha de ter bastante
peixe, é claro!
Cada um de nós tinha seu próprio conjunto de pesca:
um embornal – pra quem não sabe, é uma sacolinha feita à mão, com algum retalho
que sobra de uma roupa, colcha ou toalha –, a varinha de pesca, a latinha de
massa de tomate com as iscas, o lanche, outra sacola para colocar os peixes, um
canivete, chapéu de palha e uma garrafinha d’água. Pra quê mais? Dava para
passar uma tarde inteira na beira do córrego. Mais conversávamos do que
pescávamos. O que falávamos? Não sei mais, perdeu-se no tempo. Devia ser bem
interessante, pois sempre tínhamos assunto. Passávamos a tarde inteira na beira
do córrego, até o entardecer.
Naquela tarde, a expectativa maior era por conta
das varas novas. Cada um escolheu a sua, uma diferente da outra, de cores
variadas. A minha dividia-se em duas metades, coisa chique. Minha mãe fez uma
capa, com retalho, para cada um. As linhas, os anzóis, os pesos, ou chumbadas,
e demais utensílios já tínhamos. Então, era como se tivéssemos a obrigação de
ter sucesso na pescaria, isto é, pescar bastante. E resolvemos apostar para ver
quem pescava mais.
Os lambaris eram fartos, mas astutos, e o truque, a
habilidade maior, era não deixar que roubassem as pobrezinhas das minhocas
penduradas no anzol. Bem mais da metade ficava com eles, mas nossa esperteza
era superior. E cada um foi enchendo seu embornal. A cada peixinho, a pergunta:
quantos vocês já têm?
No fim da tarde, cada um devia ter pescado em torno
de uns vinte peixinhos, e resolvemos ir embora. O Sol já estava bem baixo, o
horizonte vermelho, tempo de poeira, de pouca chuva, período da seca.
No caminho, meu irmão mais novo distraiu-se e esbarrou
a vara nova numa caixa enorme de marimbondos. A dele não se partia ao meio, então
a ponta estava “lá em cima”, esbarrando em tudo quanto é galho, num deles...
Era marimbondo vindo de tudo quanto é canto. O susto foi grande, e cada um foi
para um lado, deixando para trás a tralha de pesca e os peixes, tentando salvar
a própria pele das doloridas ferroadas.
Na correria, meu irmão tropeçou e foi ao chão, com
vara, os peixes e tudo mais. A varinha nova partiu-se em três pedações. Estava
irremediavelmente perdida. Essas varas não se consertam. A expressão dele
revelava, mais do que a dor por conta de umas três ferroadas, o desapontamento
por conta da perda da vara nova.
Juntamos as coisas de cada um, o que sobrou, e
caminhamos lentamente até a sede da fazenda, onde já nos aguardava a Dona
Auristela, pronta para limpar e fritar os peixinhos. Na hora de entregar a ela,
juntei todos num monte só e disse pra fritar o que desse. Fomos tomar banho e
jantamos cansados, silenciosos.
Nunca soubemos quem tinha pescado mais. Pouco
importava. Naquele dia mesmo, aposentamos as varas de plástico e voltamos às de
bambu. Pelo menos eram mais jeitosas, mais fáceis de carregar e, se quebrassem,
o prejuízo era menor.
Hoje, não pesco mais, mas ao limpar um armário de
guardados, deparei-me com as duas varinhas de plástico que sobraram, quase
quarenta anos depois. Não sei o que fazer com elas, vou perguntar aos meus
irmãos.