quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Faz tempo...




 Renato Muniz Barretto de Carvalho

Depois do almoço, meus irmãos e eu resolvemos pescar lambaris no corguinho da fazenda. É que tínhamos comprado três varas de pesca com a mais avançada das tecnologias: de plástico. Nada contra as antigas, de bambu, que nós mesmos fazíamos, mas as de plástico, embora caras, poderiam significar um ganho em termos da quantidade de peixes a serem pescados. Por quê? Não sei, mas podia ser por causa da novidade, da tecnologia, da maior flexibilidade, ou da curiosidade por usarmos algo diferente, novo. Coisas de menino.

Pescar não era uma atividade tão simples quanto parecia. Pelo menos para nós três. Exigia planejamento, estudos, decisões várias. Uma delas era a escolha dos locais, ou seja, dos poços. Subíamos e descíamos o córrego várias vezes em busca de um bom lugar. Tinha de ter sombra, muitas árvores, pois assim ficávamos protegidos do sol. Tinha de ser um local de fácil acesso, pois não dava pra chegar num lugar difícil carregando lanche, varas, iscas, e ainda subir barrancos ou passar por arbustos cheios de espinhos. Não podia ter caixas de marimbondo perto, nem formigueiros. E tinha de ter bastante peixe, é claro!

Cada um de nós tinha seu próprio conjunto de pesca: um embornal – pra quem não sabe, é uma sacolinha feita à mão, com algum retalho que sobra de uma roupa, colcha ou toalha –, a varinha de pesca, a latinha de massa de tomate com as iscas, o lanche, outra sacola para colocar os peixes, um canivete, chapéu de palha e uma garrafinha d’água. Pra quê mais? Dava para passar uma tarde inteira na beira do córrego. Mais conversávamos do que pescávamos. O que falávamos? Não sei mais, perdeu-se no tempo. Devia ser bem interessante, pois sempre tínhamos assunto. Passávamos a tarde inteira na beira do córrego, até o entardecer.

Naquela tarde, a expectativa maior era por conta das varas novas. Cada um escolheu a sua, uma diferente da outra, de cores variadas. A minha dividia-se em duas metades, coisa chique. Minha mãe fez uma capa, com retalho, para cada um. As linhas, os anzóis, os pesos, ou chumbadas, e demais utensílios já tínhamos. Então, era como se tivéssemos a obrigação de ter sucesso na pescaria, isto é, pescar bastante. E resolvemos apostar para ver quem pescava mais.

Os lambaris eram fartos, mas astutos, e o truque, a habilidade maior, era não deixar que roubassem as pobrezinhas das minhocas penduradas no anzol. Bem mais da metade ficava com eles, mas nossa esperteza era superior. E cada um foi enchendo seu embornal. A cada peixinho, a pergunta: quantos vocês já têm?

No fim da tarde, cada um devia ter pescado em torno de uns vinte peixinhos, e resolvemos ir embora. O Sol já estava bem baixo, o horizonte vermelho, tempo de poeira, de pouca chuva, período da seca.

No caminho, meu irmão mais novo distraiu-se e esbarrou a vara nova numa caixa enorme de marimbondos. A dele não se partia ao meio, então a ponta estava “lá em cima”, esbarrando em tudo quanto é galho, num deles... Era marimbondo vindo de tudo quanto é canto. O susto foi grande, e cada um foi para um lado, deixando para trás a tralha de pesca e os peixes, tentando salvar a própria pele das doloridas ferroadas.

Na correria, meu irmão tropeçou e foi ao chão, com vara, os peixes e tudo mais. A varinha nova partiu-se em três pedações. Estava irremediavelmente perdida. Essas varas não se consertam. A expressão dele revelava, mais do que a dor por conta de umas três ferroadas, o desapontamento por conta da perda da vara nova.

Juntamos as coisas de cada um, o que sobrou, e caminhamos lentamente até a sede da fazenda, onde já nos aguardava a Dona Auristela, pronta para limpar e fritar os peixinhos. Na hora de entregar a ela, juntei todos num monte só e disse pra fritar o que desse. Fomos tomar banho e jantamos cansados, silenciosos.

Nunca soubemos quem tinha pescado mais. Pouco importava. Naquele dia mesmo, aposentamos as varas de plástico e voltamos às de bambu. Pelo menos eram mais jeitosas, mais fáceis de carregar e, se quebrassem, o prejuízo era menor.

Hoje, não pesco mais, mas ao limpar um armário de guardados, deparei-me com as duas varinhas de plástico que sobraram, quase quarenta anos depois. Não sei o que fazer com elas, vou perguntar aos meus irmãos.

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