sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SPAE e SGMD



Amplie seu mundo!


Renato Muniz Barretto de Carvalho

Os tempos em que vivemos são bicudos, difíceis, embora alguns possam argumentar que já foi pior e eu é que ando um tanto pessimista. O fato é que qualquer deslize, qualquer vírgula mal colocada pode transtornar sensibilidades, entornar o caldo. Não está fácil. É que vou comentar um assunto delicado, por isso o excesso de civilidade.

Para ficar bem com minha consciência, sou obrigado a dizer que ando preocupado com algumas síndromes que assolam o país nos últimos tempos. Desde já, informo que não sou adepto do positivismo de Augusto Comte, apesar de a prudência, a cautela a que me referi acima, imponham uma justificativa, ainda que a contragosto: não tenho nada contra os adeptos dessa corrente filosófica, são todos gente boa. Dito isso, explico, síndromes aplicam-se melhor a patologias médicas, e as que eu pretendo apresentar nesta crônica são sociais e, embora com reflexos na sanidade mental e física dos indivíduos acometidos, têm origem histórica e cultural. Explicado? Vamos em frente.

SPAE é a sigla da Síndrome da Protuberância Abdominal Esdrúxula. Um tempo atrás, era pouco conhecida e de ocorrência limitada a certos grupos sociais mais abastados. Indicava poder e posição de mando, basta consultar algumas fotografias antigas de políticos e ilustres membros da elite. Nos últimos anos tem se alastrado pelo mundo todo, em especial no Brasil. O portador desta síndrome caracteriza-se por apresentar uma protuberância abdominal destacada, vulgarmente chamada de “barrigão”. Ao contrário da situação de infestação crônica de verminoses que assolou o país nas primeiras décadas do século XX, e de problemas de coluna, a SPAE é atual, é moderna, resultado de alimentação mais farta, embora não necessariamente de boa qualidade. Mas a questão não é de cunho nutricional ou de hábitos alimentícios, é diferente e bem pior.

O portador desta síndrome cultiva sua situação. Alguns realmente gostam disso. Geralmente frequentam eventos cuja finalidade é justamente aumentar a protuberância. Fazem isso com bebidas, alimentos gordurosos e um sedentarismo consciente. Gostam de sentar-se na frente da TV, em poltronas e sofás confortáveis, preferem mil vezes um carro a uma boa caminhada, e ridicularizam os demais. Alguns fazem do futebol mais do que uma paixão, mas uma religião, onde falar mal do time beira a agressão.

Mas a SPAE não é apenas um estado físico, e isso é o mais preocupante. É um estado mental que, em muitos casos, implica em intolerância, autoritarismo e violência. Embora ocorra mais nos homens após 30 a 40 anos, também acomete mulheres, jovens e idosos. A SPAE quando se instala de modo quase irreversível, leva a um conservadorismo político assustador. Parece que a evolução da síndrome elimina a capacidade de discernimento da pessoa. Há relatos de portadores da SPAE que se exibem nas esquinas com a camisa aberta, há casos em que ficam horas sentados em lugares estratégicos, nas calçadas, vigiando os que passam, afagando carinhosamente a protuberância.

A outra síndrome parece que tem relação com a primeira, embora nem sempre acometa os mesmos indivíduos. Trata-se da Síndrome do Gosto Musical Duvidoso (SGMD).

Os portadores caracterizam-se por acreditar que todo o mundo tem o mesmo gosto musical que eles e essa deturpação leva a um desejo incontrolável de dividir o seu estilo musical favorito com a maior quantidade possível de pessoas. Não medem esforços para isso. Gastam somas vultosas em automóveis, aparelhos e caixas de som capazes de espalhar ao máximo o som, isto é, o ruído desagradável que sua capacidade neurológica comprometida imagina que irá agradar a todos.

A SGMD impede a pessoa de perceber que música é algo harmonioso, criativo, sensível, gostoso de ouvir e não apenas barulho, um incômodo barulho ao qual todos têm de se submeter. A SGMD dificulta ao portador a percepção das inúmeras qualidades sonoras e musicais da música propriamente dita e o seu estado afetado leva a uma típica confusão mental.

O problema é quando as duas síndromes atacam o mesmo indivíduo. Aí a coisa se complica e a calamidade se instala. Uma potencializa a outra, num efeito cascata impressionante. Meu maior medo é um aumento significativo de casos e os casos isolados se juntarem, isto é, transformarem-se numa epidemia. Aí, não teremos professores, artistas e profissionais da saúde em número suficiente e capazes de enfrentar a situação. Pobres de nós!






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