Renato Muniz Barretto de Carvalho
Digníssimos leitores, parentes e amigos. Um instante de sua atenção ao que eu tenho a dizer. Como ousar é, em algumas circunstâncias, um ato necessário, assumo o risco de propor, neste exato momento, a abolição do calendário. Isso mesmo, do calendário, com todas suas implicações e consequências.
Não proponho apenas o fim das folhinhas, das agendas, dos calendários com ímã, aqueles de grudar na geladeira, dos calendários impressos, de modo geral. Vou mais longe: a proposta é eliminarmos o próprio calendário, a própria contagem dos dias, das semanas, dos meses, dos anos. Entenderam? Concordam? Eu explico.
Não me refiro à eliminação do tempo, ao fim da história, como já fizeram. Não, minha ideia é revolucionária e inovadora. Minha preocupação é com a felicidade humana, é com o bem-estar das pessoas. Preocupação e objetivo. É só observar o comportamento dos indivíduos, prestar atenção a alguns detalhes do cotidiano. Vamos ver alguns exemplos.
A questão da idade. Taí uma coisa que incomoda muita gente. Já ouviram alguém reclamar que está ficando velho? A toda hora! Gente queixando-se que não tem mais idade para isso ou para aquilo, gente se achando velha, imprestável porque está com 60 anos, 40, 30... Tem gente que se estressa com aniversários, seu e dos outros. Muitos encaram como uma formalidade tão formal que o que devia ser fonte de prazer e alegria vira chateação, briga, desentendimento familiar. Ah, não! É só acabar com o calendário, com a contagem do tempo e eu quero ver alguém reclamar mais. Reclamar do quê? Velhice e mocidade passam a ser apenas um estado de espírito, não uma constatação matemática e cronológica. Entenderam? Dá para se julgar velho num dia e novo no dia seguinte. Qual é o parâmetro? Você mesmo, sua saúde, sua vontade, e não o simples desenrolar dos dias. Ao menos eliminaríamos os limites psicológicos à decadência física.
Outro exemplo. As segundas-feiras, e a tristeza que causam a muita gente. Não basta acabar com este dia da semana, tem de eliminar é toda a semana, de domingo a domingo. Todos os dias passariam a ser iguais. Ou melhor: cada dia passaria a ser um dia diferente, acaba-se a rotina. Existem até casos de pessoas que adoecem na segunda-feira, a pressão sobe, ficam com febre, tudo porque é segunda-feira. Com o fim da semana, tudo mudaria. Cada um estabeleceria seu próprio ritmo de trabalho. A vida social e econômica fluiria com maior espontaneidade.
É claro que temos de eliminar os dias dos meses e os próprios meses. Acabar com as preocupações relacionadas às datas inevitáveis, com as datas de pagamento, com os prazos finais e irremediáveis. Ah, que delícia não ter de sair correndo para pagar uma conta, não ter mais de ouvir aquela velha ladainha conservadora de que brasileiro deixa tudo para a última hora. É simples: acabou-se a última hora! O último dia! A última data! Todos passam a ser primeira hora, início e não fim. Estaríamos, se quisermos, sempre começando algo, e isso significaria uma grande libertação para o ser humano, um ser que seria reconhecido em sua plenitude como sujeito de suas realizações. Tudo isso diminuiria muito o poder dos burocratas e das pessoas autoritárias que se escondem atrás dos prazos para estabelecer seu domínio e causar tristezas.
Outro efeito fantástico seria sobre as férias e feriados. Acabam-se enquanto data fixa, rígidas. Tiraríamos férias quando estivéssemos cansados, precisando mesmo. E nada daquele corre-corre de fim de férias, aeroportos lotados, acidentes nas estradas, rodoviárias insuportavelmente cheias. Quantos problemas não seriam resolvidos?
A ideia de relógio biológico poderia se estender a um tempo maior e não apenas à relação noite-dia. Mãos à obra pesquisadores da fisiologia humana! Compreendendo seu relógio, cada um decidiria seu tempo de trabalho e dedicação a partir de ritmos muito mais naturais e não forçados. Teríamos uma melhor qualidade de vida e poderíamos desfrutar mais a companhia das pessoas de quem gostamos. Pensem nisso!
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