Renato Muniz Barretto de Carvalho
Certa vez, na faculdade, apareceu um cara engraçado. Não era o tipo físico, e o fulano nem fazia gracinhas ou contava piadas. O fato é que ele ficava próximo da porta da sala de aula, do lado de fora, escutando minhas aulas. Não percebi nas primeiras vezes, e custei a entender o que realmente acontecia. Cheguei a convidá-lo para entrar, mas ele se recusou.
Percebi aos poucos sua freqüência às aulas, até porque ele era bastante discreto. Como eu estava envolvido com a aula, com os alunos que estavam dentro da sala, preocupado em dar uma explicação ou orientar um grupo, nem notei, de início, sua presença. Não sei quando ele começou o curso, mesmo porque ele não tinha feito matrícula, muito menos seu nome constava no diário de classe.
Depois, quando me acostumei com sua presença, até me preocupava se ele estava compreendendo, se tinha dúvidas ou queria fazer algum questionamento. Mas como ele ficava do lado de fora, nunca soube como era seu aprendizado. Supondo que a iniciativa própria constitui-se em pré-requisito básico para a aprendizagem, imaginava que alguma coisa ele aprendia.
O problema era a falta de diálogo entre nós dois, pelo menos um diálogo formal, entre aluno e professor. Eu me esforçava para ser o mais claro possível, expor a matéria, quando era o caso, da maneira mais didática que eu conseguia.
Não era um diálogo de surdos, porque tanto um quanto outro ouviam perfeitamente. O problema era saber se havia entendimento, compreensão do conteúdo, pois não existia retorno. Tão pouco era uma questão de método, pois as aulas não eram, a não ser em determinados momentos, expositivas. O problema do retorno é que, como professor, com uma visão mais de orientador do que de palestrante, mais de trabalho pedagógico do que de discurso, mais de parceiro do que de representante comercial fazendo relatório de vendas ou balconista desfiando tópicos de um receituário técnico, faltavam elementos de acordo com que os pedagogos costumam chamar de processo ensino-apredizagem.
Como a sala tinha várias alunas, cheguei a pensar que ele estivesse interessado numa delas. Mesmo não tendo a confirmação, soube depois que não era essa a razão da sua, digamos, freqüência às aulas. Parece que era puro interesse mesmo.
Um dia, encerrei bruscamente a aula, dispensei os alunos e, antes que ele desse por si, eu o chamei para dentro da sala. Sua assiduidade e sua curiosidade me intrigavam. Mas incomodavam também sua passividade, seu silêncio, sua atitude de quase invisibilidade. Perguntei se gostava das aulas, se o assunto o interessava. Ele disse que sim. Perguntei se queria uma cópia dos meus apontamentos. Ele disse que não, que não saberia o que fazer com eles.
Uma das minhas frustrações, como professor, é que nem sempre quem está dentro da sala de aula quer estar lá, e quem, às vezes está fora, quer estar dentro. Não é fácil fazer a troca e isso não depende só do professor.
O “meu aluno” freqüentou pouco as aulas, pouco mais de um mês e já não o avistei mais nos corredores. A vida de professor nos obriga a correr de um lado a outro da cidade, de sala em sala, mal temos tempo de guardar o nome de todos os alunos, de dar a devida atenção a cada um deles. Esse aluno, como a maioria, passou, foi embora e nem do seu nome eu me lembro mais.
Era um dos faxineiros da escola, encarregado da limpeza das salas depois de encerradas as aulas. Chegava mais cedo para assistir às minhas aulas e cumpria, noite afora, uma extensa agenda, lendo e depois limpando as lousas, desdobrando papéis amassados, desvendando recados, fórmulas e outros escritos nas mesas e carteiras. Como não rendia no serviço, nas palavras do encarregado do setor, foi demitido com um pouco mais do que dois meses de serviço. Um caso típico de evasão escolar ou, se quiserem, exclusão pedagógica.
2 comentários:
Gostei Prof.
Abração
Linda história...
Lamentável que ainda nem todos tem acesso a educação como deveria.
Um abraço
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