sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Escrito nas árvores

Renato Muniz Barretto de Carvalho


A água pinga da torneira de modo cadenciado, constante, irritante. Os engenheiros seriam capazes de calcular quantos litros vão para o ralo em uma hora, um dia, uma semana, uma vida inteira.


Algumas pessoas, alguns profissionais, conseguem realizar cálculos complicados, considerados difíceis para a maior parte da população. Os biólogos, por exemplo, em especial os botânicos, dizem que conseguem calcular a idade das árvores observando os anéis nos troncos cortados. Existem árvores que têm uma vida longa, como os jequitibás, verdadeiras testemunhas do passado. Muito interessante! Um jovem apaixonado ou um desocupado qualquer talvez não se preocupem com questões como estas.


O Afonso Júnior, balconista da loja de eletrodomésticos, nas horas de folga, logo após o almoço, vai para a praça, senta-se no banco, pega um estilete e põe-se a escrever o nome de sua namorada no tronco de uma sibipiruna que está atrás do banco: Josenaide. Em uma semana, desenhou “Josen”. tempo de fazer uma letra por dia. Se tudo correr bem com o namoro, vai ter prazo de escrever também o próprio nome e desenhar um coração dando a volta em todo o tronco, tudo para simbolizar seu amor por Josenaide.


No sábado à noite, quando foram tomar um refrigerante no barzinho, ele comentou com ela o que estava fazendo. Disse que sua demonstração de amor ficará registrada para sempre. Ela riu sem graça e prometeu passar pela praça para ver a arte do namorado. não conseguiu entender em qual árvore está escrito. Pensou em voz alta: - São todas iguais! A jovem, estudante universitária, não conhece nada de sibipirunas, ipês, hibiscos e outros nomes esquisitos que o namorado citou. O que nem ela e nem ele sabem é que o abraço do coração, dependendo do tamanho, pode até matar a árvore.


Se a pobre árvore morrer, pode ser que não seja culpa do balconista apaixonado, embora curioso, reprovável e triste o hábito de ferir espécies tão bonitas. Numa sociedade em que ainda existem analfabetos e não se estimula a leitura como se deveria, muitos ainda insistem em escrever nos troncos das árvores, danificando-as, prejudicando seu desenvolvimento, pois os entalhes podem ser a porta de entrada de fungos ou ocasionar a interrupção da seiva. Escrever uma carta seria bem melhor, não acham? Como as coisas são interligadas, intimamente relacionadas, talvez um dia o estímulo à leitura encontre correspondência em atitudes ambientais não predatórias e vice-versa.

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