sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Árvores e livros

Renato Muniz Barretto de Carvalho


Alguns entusiastas dos e-books, os livros eletrônicos, argumentam que o meio eletrônico economizaria árvores, porque um livro de cem páginas consome tantas árvores etc., etc. Não vamos nos deter em números e estatísticas tão ao gosto de certos articulistas, mas ampliar o debate, abrir a cabeça.

Antes de continuar, é bom que se diga que, em meio eletrônico ou impresso em papel, no formato tradicional ou em qualquer outro possível formato que venha a existir, as idéias não desaparecerão, as pessoas não deixarão de inventar histórias ou de relatar acontecimentos, de registrar suas viagens, de contar suas memórias, tampouco deixarão de debater teorias ou fazer pesquisas e divulgá-las.

As sociedades primitivas valiam-se de uma intensa oralidade. Estudos de antropologia dizem que a tradição passava de pai para filho através de longos rituais onde ouvir e contar histórias estava no centro da formação e manutenção da identidade do grupo, significando sua própria continuidade enquanto organismo social ou etnia. Inúmeros relatos sobre primeiros contatos entre pessoas que desconhecem a língua do outro registram intensas tentativas de diálogo, valendo toda forma de expressão, de gestos a falas intermináveis, talvez em busca de palavras ou sons semelhantes, capazes de estabelecer uma ponte entre os diferentes.

A oralidade, a roda de prosa, o bate-papo e as conversas não desapareceram. Os registros evoluíram dos desenhos nas paredes de cavernas, muros, portais, da invenção das letras e palavras, até a forma consagrada por Gutenberg, o livro tal qual o conhecemos hoje. O rádio e a televisão não acabaram com o livro e nem creio que o computador vá fazê-lo.

Nunca se produziu tanto livro na história da humanidade como hoje. As pessoas estão lendo mais, freqüentam livrarias, discutem livros, presenteiam livros. Ainda é pouco. É preciso escrever mais, produzir mais livros, criar mais bibliotecas, discutir mais o livro, a produção literária, enfim ler mais.

E a questão ecológica? E as árvores abatidas para produzir o papel? Não são os livros os culpados pelo seu desaparecimento. São as queimadas criminosas praticadas desde os tempos coloniais e que permanecem, atualmente relacionadas a um setor arcaico do agronegócio, moderno na utilização de insumos e nas quantidades produzidas, ultrapassado quando se pensa nas relações humanas, na permanência do trabalho escravo, na concentração de terras e na relação predatória com o meio ambiente. Nas queimadas que avançam sobre a Amazônia, sobre a Mata Atlântica e o Cerrado abrindo caminho para a soja, a pecuária e, no seu encalço, outras culturas consumidoras de agrotóxicos, água e terras férteis.

A culpa é de políticas que sempre beneficiaram uns poucos em detrimento da maioria, é da ausência de políticas públicas discutidas amplamente e voltadas à preservação, não apenas como valor em si, mas também como elemento vinculado à qualidade de vida.

A culpa é de uma visão que ainda vê na burocracia um instrumento de controle e opressão social, que valoriza boletos bancários, cópias autenticadas, talonários de multas, segundas vias, certidões e papéis sem valor algum para a cultura e o bem-estar humanos. Livros, ao contrário de papéis inúteis e de outros instrumentos de poder de um estado ainda muito autoritário e a serviço de grupos minoritários, podem, ao lado da educação ambiental, ajudar a combater a poluição e o desmatamento, a construir estilos de vida mais saudáveis.

Nenhum comentário: