Voar como um pássaro, crônica publicada no Jornal da Manhã, em 21 de outubro de 2020
Renato Muniz B. Carvalho
Logo cedo, abro a janela e observo os pássaros voando no céu da manhã. Vão de um lado pro outro, pousam nas raras árvores que sobraram, vasculham telhados, fios elétricos, gritam, cantam, vocalizam avisos, chamados, demarcam territórios… Cá entre nós, é bonito!
Olho além e imagino: e se as pessoas tivessem asas? Ah, voar! Seria tão bom! Não num avião ou num helicóptero, mas voar de forma independente, sem precisar passar por aeroportos, heliportos, sem pagar passagens caras nem se submeter a horários insensatos, voar quando bem entender. Voar para admirar a paisagem, para planar entre as nuvens… Voar até o trabalho, até a mercearia da esquina, até a casa da avó, à casa dos pais ou dos filhos, sair por aí com os amigos… Sonho antigo.
Será que daria certo? Será que não criaríamos um caos no céu? Já imaginaram a confusão que seria todo mundo sair voando por aí? Sem fornecer plano de voo para autoridades competentes, sem hora de voltar pra casa, sem limitação de espaço aéreo… No nível do chão, existem linhas, faixas, ilhas, placas delimitando, regulando, coibindo abusos. Nas ruas, está tudo definido, pronto, onde pode e não pode estacionar, quando parar nos cruzamentos, qual a velocidade máxima e a mínima, regras, leis, regulamentações e multas, uma infinidade de situações que tem hora que até desanima. Tudo bem, no espaço aéreo os aviões seguem rotas, caminhos, mas isso é complexo, depende de formação específica, treinamento e suporte das torres de controle de tráfego aéreo. O voo independente, o voo livre e desimpedido, o voo por gosto e vontade não teria regras, seria algo parecido com a vontade de ir ao boteco, visitar um amigo, beijar a namorada, fazer uma caminhada na avenida. Bastaria sair pela janela…
Teria tudo pra dar certo. Por que não? Melhoraria a qualidade do ar, desafogaria o trânsito, propiciaria maior liberdade às pessoas para se deslocarem como quisessem. O empecilho seria a interferência dos burocratas. Imagina isso: para voar na altura de um prédio de dez andares, taxa de 10%; para voar acima de dez andares, 20%; para voar a longa distância, brevê de piloto amador, cursinho de avoante independente mediante pagamento de imposto sobre voo autônomo. Tou fora!
Claro que só uma sociedade avançada, que respeitasse princípios éticos e a cidadania, é que poderia se dar ao luxo de ter seus membros voando por aí. Não voariam sobre quintais com o intuito de espreitar o que as pessoas estão fazendo, nada de roubar jabuticabas, fazer xixi lá do alto ou bisbilhotar a vida alheia, nada de jogar latinhas de cerveja ou bituca de cigarros no chão, nada de voar com caixas de som amarradas no peito e som alto atrapalhando o descanso dos outros… Deixa disso! Melhor fechar a janela e cuidar da minha vida.
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