domingo, 8 de setembro de 2019
É fogo!
Renato
Muniz Barretto de Carvalho
Eis
uma palavrinha rica em significados: “fogo”. São apenas quatro letras, sendo
uma delas repetida, duas sílabas e muitos problemas. Tem pra todo gosto: de
cachaça a excitação sexual, de religião a meio ambiente. Não é admirável? Os
dicionários dizem que sua origem é o latim: focus.
Como substantivo, refere-se ao resultado da combustão, a incêndio, a tiro de
arma de fogo, calor, brilho, luz etc. Nos tempos do Brasil Colônia, a palavra
era muito comum para se referir às casas de família em uma vila.
O
fogo esteve ligado ao suplício dos condenados à morte na fogueira — afinal, na
Idade Média se acreditava que o fogo limpava, purificava a alma perversa. Os
condenados geralmente eram mulheres. Se fossem inocentes iam para o céu; se
fossem culpadas, iam para o inferno e o pecado expurgado. Eu, hein! Ainda bem
que essa ideia ficou restrita à Idade Média, não é?
Ah,
como interjeição, “fogo” também significa decepção, espanto, desagrado e
indignação. É fogo!
Entre
o terror, que provoca medo e ódio, e o prazer, fico com os ardores da paixão,
com os entusiasmos do amor e a alegria da vida. Cada um com suas escolhas.
Prefiro Camões e seu “Amor é um fogo que arde sem se ver / É ferida que dói, e
não se sente / É um contentamento descontente / É dor que desatina sem doer.”
Mas deve-se reconhecer: há os que, ainda presos ao passado medieval, acham que
o fogo vai limpar tudo, inclusive as próprias impurezas. É fogo!
Ao
contrário do que o senso comum apregoa, fogo não é tudo igual. Tem de vários
tipos; fogo tem classe social, tem lado político, tem ideologia e diferenciação
ambiental. É pedagógico: desde menino nos ensinam que não devemos brincar com
fogo: “Quem brinca com fogo faz xixi na cama!”
Fogo
é arte, pode ser algo bonito, intrigante ou terrível. Pintores retrataram
chamas, fogaréus, incêndios e fogueiras de inúmeras maneiras. Rene Magritte, o
genial pintor belga, pintou a tela “O Fogo” em 1943. “O Grito”, a famosa obra
expressionista do norueguês Edvard Munch, mostra tons de um fogo assustador no
céu: as “línguas de fogo”, conforme suas próprias palavras. Mas não foram
poucas as ocasiões em que o fogo destruiu obras de arte, museus, livros,
teatros… Eu cuspo fogo quando leio uma notícia dessas.
Tem
fogo provocado por criminosos, por desastrados, por ignorantes. Há insensatez
nas queimadas feitas com intenção de limpar áreas para pastagem e lavouras. Tem
fogo colocado por miseráveis que, sem dinheiro para comprar gás, cozinham com
lenha ou fazem fogueiras para se esquentar em noites frias. Tem fogo natural,
que se inicia devido a descargas elétricas, à sequidão etc. Tem fogo provocado
por pessoas desonestas, por irresponsáveis, por gananciosos. Hoje, incendiar
florestas é o que de mais atrasado e estúpido existe.
Fogo,
melhor o da paixão!
Crônica publicada no Jornal da Manhã, 08/09/2019. Leia aqui.
Revisão: Revise Reveja. Quer saber mais? Acesse aqui.
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