domingo, 13 de janeiro de 2019

Churrasquinho de gato



Churrasquinho de gato

Renato Muniz B. Carvalho

O Carlos Gomes adora ouvir música, comer churrasquinho e tomar um bom gole de cachaça. É um sujeito simplório e gosta de dizer que é parente do músico famoso, de mesmo nome, o compositor de O Guarani. Nada a ver, o Carlos desta história nasceu no interior de Minas Gerais, de onde a avó garante que sua família nunca saiu, desde os tempos em que a região era dos índios. Ninguém leva a matriarca a sério, por vias das dúvidas...

Carlos é o típico patriota fanático: briga, irrita-se, xinga e fala todo tipo de asneiras quando alguém fala mal do país, da seleção de futebol e dos políticos que ele considera bons. Sua cidade natal e seu país são perfeitos, os melhores lugares do mundo! Ele não conhece outros lugares, nunca saiu da região, nem pra batizado ou velório de parentes, mas acompanha tudo pela televisão. À noite, não desliga o aparelho enquanto não tiver certeza de que os noticiários terminaram. Às vezes, dorme no sofá, mas são lapsos, passa despercebido. Gosta de dizer que todos os países do mundo tiveram guerras e tragédias, menos o seu. Fala com orgulho de lindas cidades, de serras maravilhosas, de cachoeiras deslumbrantes, de praias paradisíacas, de cavernas, de florestas densas, embora nunca tenha visitado nenhuma dessas paisagens, nenhum desses lugares turísticos que, entretanto, acha que conhece bem a partir dos programas da televisão. Garante que, quando puder tirar férias, vai ao Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa.

Por que viajar se na esquina da sua casa tem um boteco com o churrasquinho mais gostoso e a melhor cachaça do mundo? E o Carlos Gomes se distrai. Todo fim de tarde, senta-se, pede uma bebida, um espetinho de carne e por ali fica até escurecer.

Chato foi quando soube que o espetinho era de gato – de cavalo e de cachorro também. O boteco seria fechado. A primeira reação foi de espanto e de incredulidade. Não admitiu, não era possível, o dono do boteco era seu conhecido, gente boa, fazia fiado, garantia que só comprava carne de primeira para o churrasquinho etc. Atribuiu as denúncias à perseguição política, à inveja, à boataria, ao esquerdismo... Assim que veio a turma da vigilância, comprovou-se que a carne nunca passou por nenhuma verificação sanitária, era carne de animais da rua, escolhidos ao acaso, sem nenhum cuidado, alimentados com comida e água contaminadas, sujeitos às piores doenças, nomes estranhos como salmonelose, cisticercose, brucelose etc. Não era intriga da oposição.

Pobre Carlos, que decepção! Depois disso, resolveu comprar um celular para acompanhar as redes sociais. Pensam que ele mudou seus hábitos? Não, apenas mudou de boteco, passou a frequentar o da outra esquina, esqueceu-se da música, mas a conversinha e os amigos continuam os mesmos. Estultícia tem cura? Tem gente que não sei não...

Publicada no Jornal da Manhã, em 13/01/2019.

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