terça-feira, 1 de janeiro de 2019
Barba e cabelo
Barba
e cabelo
Renato Muniz B.
Carvalho
O
tempo corre! É o que dizem os que se espantam com a velocidade implacável dos
dias, das horas e dos minutos. Numa ocasião, eu estava atrasado para um
compromisso e instintivamente apertei com muita força meu relógio de pulso,
supondo que assim conseguiria segurar o tempo. Já antecipava os transtornos
prestes a se abaterem sobre minha pobre cabeça, mas, no fim deu certo, e não
foi por causa do severo aperto que dei no relógio. Situações bem mais críticas acontecem
com o tempo medido em anos e décadas, embora com impacto menor do que com os
acontecimentos relativos às eras geológicas. Ainda bem que, com algumas
exceções, não somos dinossauros!
Poetas,
escritores, físicos e amantes já cantaram e escreveram bastante sobre as
angústias que cercam o passar do tempo, sobre como é implacável e inadiável o cortejo
da história e seus efeitos nas pessoas e nas instituições. Os historiadores
trabalham com conceitos como retrocesso, avanço, progresso, saltos... Ah, o
tempo não para! Mais do que uma sensação física, o tempo modifica comportamentos,
atitudes, concepções do mundo e da vida. Basta observar o que acontece com os
jovens. Alguns meninos, quando chegam à adolescência, querem logo exibir barba
cerrada e cabelos compridos. Meninas dedicam um bom tempo para cuidar dos seus cabelos
compridos, encaracolados, cacheados... O pessoal do Clube da Esquina cantou que
“o pensamento tem a cor de seu cabelo”. Em algum momento da vida, ter ou não
ter cabelo comprido é uma questão de vida ou morte.
Falando
nisso, em 27 de dezembro de 1968, os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil
foram presos, acusados de terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira
brasileira. Levados para um quartel do Exército, no Rio de Janeiro, uma das primeiras
providências dos policiais foi raspar os cabelos da dupla. Demonstração de
poder? Com certeza! Abuso de poder, tentativa de domínio sobre o tempo e os
corpos dos músicos e de seus admiradores, mas uma ação destinada ao fracasso,
historicamente falando. E esta não era uma luta apenas dos tropicalistas. Contam
que, aos 17 anos, o adolescente David Jones, que viria a ser o músico David
Bowie, brigava pelo direito de usar cabelos compridos. Ele e seus colegas criaram
a “Sociedade de prevenção à crueldade contra homens de cabelos longos”. Os Beatles
fizeram, além de belas canções, história com seus cabelos, com destaque para as
famosas franjas.
Essa
não é uma narrativa sobre dermatologia capilar ou cortes da moda, mas uma crônica
sobre afirmação e revolução cultural. Cabelos compridos, nos anos 1960, indicavam
atitude desafiadora, anseio por liberdade, autonomia e construção da identidade.
É preciso saber que, apesar de alguns desejarem parar o tempo, nem segurando
muito firme o relógio ou cortando cabeleiras de jovens ele vai parar. Que venha
2019!
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