quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Os livros e o cinema mudo
The General (1926), com Buster Keaton
Renato Muniz B. Carvalho
No final da década de 1920, o escritor
Monteiro Lobato tornou-se adido comercial do Brasil nos Estados Unidos. Nomeado
pelo presidente Washington Luís, em 1927, o escritor mudou-se de mala e cuia
para os States. Foi paixão à primeira
vista. Seus relatos, seus passeios, sua curiosidade com as rodovias e os arranha-céus
podem ser lidos no volume “América”, onde o autor, em companhia de um inglês imaginário,
Mr. Slang, o “inglês da Tijuca”, conta as visitas que faz às indústrias, aos museus,
às bibliotecas e aos grandes prédios das cidades americanas. O então funcionário
da embaixada brasileira encanta-se com o rádio, o telefone, o cinema e as belas
mulheres americanas. Encanta-se, sobretudo, com Nova York, com a agitação da
cidade que crescia como nenhuma outra no mundo no final da década, até que veio
o “Crack da Bolsa”, em 1929. Foi no capítulo em que relata sua visita, e seu
deslumbramento, à Biblioteca do Congresso, em Washington, que Lobato escreveu
uma das suas mais célebres frases: “Um país se faz com homens e livros”.
Exaltando dois grandes personagens da história norte-americana, Washington e
Lincoln, a quem chama de heróis, vai à grande biblioteca e diz que é nos livros
que está fixada toda experiência humana. Confessa até que ficou meio tonto
diante de tanta grandiosidade.
“América” é um livro gostoso de ler, para
ser apreciado em qualquer lugar, seja no ônibus ou numa cadeira de praia à
sombra de uma amendoeira. Em nenhum instante, mesmo referindo-se às extensas paisagens
norte-americanas e às suas maravilhas, o escritor se esquece do Brasil. Faz
comparações, análises e prognósticos. É um observador crítico, mordaz. Comenta
as eleições, o voto, os costumes, as universidades, a arquitetura, ainda que,
em alguns trechos, o deslumbre ofusque certos detalhes.
No capítulo VIII, há uma observação
curiosa que vale a pena ser mencionada. O escritor, ao comentar o ritmo intenso
das inovações, do progresso ocasionado pelo uso crescente de novas máquinas,
espanta-se com a revolta dos músicos que estão perdendo o emprego por causa do
cinema falado. Eles travam uma verdadeira guerra contra o que chamam de “música
em lata”, contra o desemprego, contra a novidade que sela o destino do cinema
mudo. O escritor espera, entretanto, que a humanidade dê um passo à frente.
Quase cem anos desde que ele escreveu
isso, mas os dilemas são semelhantes. A questão que me intriga é: o que diria o
escritor diante de um e-book? Ele,
que foi o grande incentivador da indústria editorial no Brasil do século XX, o
que pensaria se tivesse de ler um livro num suporte eletrônico?
O cinema não perdeu sua essência com o
som, com a cor, com outras inovações tecnológicas. Creio que as boas histórias,
igualmente, não vão perder seu valor e seu significado com as novas mídias. A
conversa é longa, sujeita a muita reflexão, mas eu me pergunto: o que vai
acontecer com o livro físico e com o digital daqui para frente? Eu morro de
vontade de saber o que Lobato diria? E você, o que pensa disso?
Monteiro Lobato
América, de Monteiro Lobato
Metropolis (1927), de Fritz Lang
Gloria Swanson, a grande atriz do cinema mudo norte-americano
* Crônica publicada no Jornal da Manhã, 31 de julho de 2016
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário