Nota
dez!
Renato Muniz B.
Carvalho
Minha formação escolar sempre foi
bastante espinhosa. Começou no Grupo Escolar Minas Gerais, onde fiz o antigo primário,
nos anos 1960. Nas instituições por onde passei, o estudo da literatura, e da
vida, ainda mais sob a Ditadura, era muito seletivo, para ser condescendente.
Autores contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, não eram estudados. Alguns
clássicos, como Eça de Queiroz, eram apenas citados, de passagem.
No início da década de 1970, fui estudar
em São Paulo. Mesmo tendo optado por uma escola mais aberta, continuei numa instituição
tradicional. Foi aí que, pela primeira vez, fui reprovado e, pasmem!, em
Língua Portuguesa, a minha língua. A professora era chatíssima, extremamente formal, de uma
rigidez impressionante e inútil. Um dia, ela pediu um trabalho, sei lá sobre o
quê, e eu resolvi ir além da encomenda. Escrevi, entusiasmado, um texto que, na
minha imodesta opinião, estava muito bom. Minha letra, talvez devido a algum
distúrbio de aprendizagem, era horrível – e continua assim até hoje –, então
resolvi datilografar. Tinha economizado um dinheirinho da mesada que meus pais
me mandavam e comprado uma Olivetti de “bolso”, uma belezinha de máquina de
datilografia. Eu nunca tinha feito curso de datilografia, e ficava naquela de
colocar papel, apertar as teclas, errar, retirar o papel, jogar fora e começar
tudo de novo!
Meu pai passou por São Paulo e vendo a
minha peleja se propôs a datilografar o texto para mim. Ele tinha uma grande
destreza com aquilo, aprendizado vindo da advocacia. Pronto! Num instante o
texto estava pronto. Entreguei e... Bomba!
Tentei argumentar, mas a resposta veio
sem chance de apelação: “o senhor errou toda a acentuação”. Ora, meu pai escrevia
conforme o Acordo Ortográfico de 1943! E eu não podia falar nada, com medo que
ela pensasse que, além de ter datilografado, ele também tivesse escrito o
texto. Amarguei a dupla reprovação: a ortográfica e a do texto.
Em escolas assim, falar em Carolina Maria
de Jesus era muito improvável. No máximo, nas aulas, os professores comentavam
os escritores paulistas, chegando até Mário de Andrade e, com ressalvas, Antônio
de Alcântara Machado, Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos e Lygia
Fagundes Teles.
O que não tínhamos na escola,
procurávamos fora. Então, foi escarafunchando as estantes de um sebo nas
proximidades da Praça da Sé que encontrei “Quarto de Despejo”, da Carolina.
Tive a sorte de comprar a primeira edição, de agosto de 1960, da Editora
Francisco Alves, prefácio do Audálio Dantas, com inúmeras fotos de Carolina e
da favela do Canindé.
Foi uma surpresa, em vários sentidos.
Cadê as regras da ortografia? Da gramática? Então era possível “escrever
errado”? E mais: um conteúdo inusitado, crítico, escancarado da miséria e da
fome. Acima de tudo, de vida! Tudo bem, eu já conhecia Josué de Castro e a “Geografia
da Fome”, mas Carolina era um soco no estômago. Encontrar sua obra foi minha nota
dez.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Manhã, domingo, dia 03/07/2016:
http://jmonline.com.br/novo/?noticias%2C22%2CARTICULISTAS%2C
Nesta crônica, faço referência à escritora Carolina Maria de Jesus,
nascida em Sacramento, MG e autora de um dos grandes sucessos da
literatura brasileira: "Quarto de despejo".
A Editora
Bertolucci, de Sacramento, publicou seu livro: "Diário de Bitita" e um
estudo: "Cinderela Negra", de José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert
Levine.(Ver reprodução das capas dos dois livros abaixo).
Depoimento de Vera Eunice de Jesus Lima, filha de Carolina:
https://www.youtube.com/watch?v=qRjDmmWAFEo
Para saber mais de Carolina:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Carolina_de_Jesus
Boa leitura!
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