quinta-feira, 9 de julho de 2015
Prezado Senhor Prefeito: as ciclovias
Renato Muniz Barretto
de Carvalho
Prezado Senhor Prefeito,
Bom dia! Antes de tudo, devo reconhecer que
a vida de um prefeito não deve ser fácil. Então, antecipadamente, peço
desculpas por importuná-lo com este texto. Imagino os gestores como o senhor a
pensarem o tempo todo nas cidades que administram, a coordenarem o trabalho das
secretarias, a receberem vereadores, empresários, representantes das mais
diferentes agremiações, dos sindicatos, dos grêmios estudantis, dos clubes, todos
sempre de olho nos atos emanados do Executivo, não é?
Sei que não é tão simples ouvir queixas,
pedidos, reclamações, os descontentes... Haja paciência e jogo de cintura,
hein! E os interesses particulares? As tentações, as pressões... Prefeitos têm
de acertar, não é? Se errarem, há o Tribunal de Contas, a promotoria pública,
os vereadores, a imprensa, os curiosos, os palpiteiros e a derrota eleitoral. E
isso é péssimo para a carreira, para os voos mais altos. São os riscos da
empreitada assumida perante os eleitores e os demais envolvidos na peleja.
Está bem, eu sei de tudo isso, ou
desconfio, sei que o senhor não tem tempo pra nada, mesmo assim, queria dar uma
palavrinha. É sobre as ciclovias.
Ocorre que, a cada dia que passa, mais
ouvimos falar em vida saudável, em esportes ao ar livre, em mobilidade urbana,
em trânsito humanizado e por aí afora. São tantas as informações, os conceitos
novos, que às vezes até nos confundimos. As bicicletas, por exemplo, como meio
de transporte, ganham a adesão de uma parte considerável da população, como é o
meu caso, mas isso não é um pleito pessoal.
O senhor já teve oportunidade de
verificar o grande número de bicicleteiros invisíveis que circulam na cidade?
Talvez não, afinal são quase invisíveis, a começar pelos horários em que
circulam: ou muito cedo, antes da sete horas da manhã, ou no fim da tarde. Eles
vão e voltam do trabalho de bicicleta. Não costumam usar roupas coloridas, nem bicicletas
de marcha, nem capacetes, mas são muitos e colaboram para um trânsito melhor.
Acostumaram-se a sofrer com os motoristas mal-educados, com a falta de
ciclovias, com a falta de bicicletários. Mas persistem!
O senhor sabe que muitas pessoas têm
feito dos passeios de bicicleta uma atividade de lazer? Já deve ter observado a
quantidade de pessoas pedalando à noite, nos finais de semana? Já reparou nas
lojas de venda de bicicletas e de acessórios que aumentam a cada dia? Incrível!
O que o senhor pode fazer para melhorar
a segurança desse pessoal? Tudo bem que eles não gastam com passagens de
ônibus, com combustível, nem com impostos caros. Ah, mas fazem um bem danado à
cidade! Concorda? Pois eles precisam de ciclovias, precisam de mais apoio. É
pedir muito? Dá pra tirar um pedacinho das ruas para construir mais ciclovias? Se
servir de estímulo, nas cidades onde isso foi feito os gestores passaram a ser
bem avaliados. Pense nisso! Previamente, agradeço. Acho que já vi uma foto do
senhor pedalando, não quer se juntar a nós um dia desses?
Este texto foi publicado no Jornal da Manhã, em 21 de junho de 2015: http://jmonline.com.br/novo/?colunas,82,CR%D4NICA+DO+DIA,21/06/2015
Não foi escrito pensando num determinado prefeito, mas em todos os prefeitos e prefeitas dos mais de cinco mil municípios brasileiros, que bem poderiam investir mais em políticas públicas de mobilidade urbana, ciclovias, ciclofaixas e em ações de estímulo e de proteção aos ciclistas e aos pedestres.
terça-feira, 7 de julho de 2015
Um domingo de bicicleta
Renato Muniz Barretto
de Carvalho
Nos anos 1970, morei em São Paulo. Eu me
mudei para estudar e aprender – são coisas diferentes! No início, a cidade me
assustou muito, depois nos tornamos íntimos. Descobri seus becos, suas bocas,
suas grandes avenidas, suas ruas de terra, sua periferia, seus prédios altos,
suas sombras, seus teatros, cinemas, livrarias, botecos, sua gastronomia
semanal e a feijoada dos sábados, que fica pronta desde a madrugada. Quanta diversidade!
Assustei-me sempre com seu trânsito caótico e jamais imaginei que um dia
poderia percorrer de bicicleta o velho centro, a Praça da Sé, a Praça da
República, o Minhocão... Quarenta anos depois, animado pela inauguração da
ciclovia da Paulista, resolvi passear por outras ciclovias, e redescobri a
cidade!
Minha relação com a cidade vem desde os
anos 1960, quando eu vinha a passeio. Não posso dizer que a conheci, pois tudo
o que eu via eram imagens rápidas através da janela do carro. A cidade era
passagem, em direção ao litoral, ou local de residência de parentes a serem
visitados.
Nos anos 1970, foi meu pai que me
apresentou à cidade, formalmente. O que eu vi foi uma cidade de terno, uma
cidade sisuda, apressada. Essa impressão inicial foi se desfazendo aos poucos,
foi se desmanchando à medida em que eu conhecia as outras cidades, que estavam imbricadas
numa só, convivendo no mesmo espaço, que se multiplicava assustadoramente, rica,
pobre, violenta, com estéticas diversas e curiosas, algumas duradouras, outras
tão efêmeras que num segundo estavam ali, à disposição do olhar, e no outro
instante tinham desaparecido pra sempre, nem adiantava procurar mais. A solução
era prestar mais atenção ao próximo grito, à próxima performance, à próxima
esquina. As melhores fotografias dependem da hora certa de apertar o
disparador, da combinação de cenário, luz e personagens. Para entender São
Paulo, o melhor era usar uma câmara fotográfica. Fui fotografar rostos!
Morador da metrópole, eu precisava
percorrer longos trajetos, estabelecer contatos, falar sua língua, perceber
seus cheiros e suas cores. Comecei pelas livrarias, onde sempre me senti
acolhido, preservado na minha identidade adolescente. Das livrarias aos sebos,
às bancas de rua, às feiras livres aos domingos, onde era possível provar todas
as frutas sem gastar um centavo. Depois, os cinemas, os restaurantes, desde os
que serviam sopas baratinhas até os mais sofisticados. Aprendi os itinerários
dos ônibus, os fluxos e os gargalos de um trânsito insano. Aprendi que a cidade
era de todos, mas também podia ser injusta, opressora, cinza e poluída. Seu
tamanho e complexidade inibiam as bicicletas, os passeios a pé, sua conquista e
transformação num lugar democrático e inclusivo.
Ao percorrer a cidade de bicicleta no último
domingo, ao lado daquelas cidades que já existiam, eu conheci outra, tão
múltipla e tão contraditória quanto, mas diferente. Cidades são assim, são muitas,
e devem ser percebidas em toda sua complexidade, de olhos e coração bem
abertos.
Texto publicado em 05 de julho de 2015 no Jornal da Manhã:
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