quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O diário de uma professora (parte X)


Elisa rodeada pelos filhos. 
Da esquerda para a direita: Lúcio, Dulce, Cid, Olga e Romeu 


“A educação não se firma sem a cultura. Penso até que primeiro é a cultura, depois a educação. Porque primeiro você se propõe no seu querer, seja na comida, no vestir, em todas as propostas de vida. Depois se educa. (...) O ritual do conhecimento, da sensibilização do cidadão, é a cultura que dá.” (Fernanda Montenegro)

“Hoje estou velha como quero ficar. Sem nenhuma estridência. Dei os desejos todos por memória e rasa xícara de chá.” (Adélia Prado)

“Não me pergunte quem eu sou e não espera que eu continue o mesmo. Deixe para os burocratas a tarefa de verificar se os nossos papéis estão em ordem.” (Michel Foucaut)

“Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.” (Adélia Prado)

Quase chegando ao fim (do Diário), me pergunto; quem foi Elisa? Que legado nos deixou? Penso no tempo que passou desde que ela se foi. Penso no tempo... E me vem à mente as frases acima e seus “ensinamentos”: cultura, memória, sentimento, caráter.

Elisa atravessou o século XX até o finalzinho, e faleceu antes dele dar sinais de que mudaria radicalmente, como aconteceu a partir dos anos 1980. Elisa viveu os tempos da Revolução de 1932, da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), da deposição de Getúlio Vargas, de seu retorno e suicídio, da Guerra da Coreia, da Guerra do Vietnã (e não viu seu fim), da ditadura militar no Brasil (também não viu seu fim). Viveu a grande mudança nos costumes, o movimento feminista, o movimento hippie, a revolução cultural dos anos 1960. E “atravessou” os dias, os meses e os anos com a mesma serenidade, com a disposição de quem sabia que tinha um bom exemplo para deixar aos descendentes.

Parece bobagem, mas um dia, eu me lembro bem, numa das suas visitas a Uberaba, ela me disse, sentadinha comigo no meu quarto, conversando: “Deixe sua fronte aparecer, penteie seu cabelo para trás, mostre-se, não tenha medo de enfrentar as pessoas e o mundo”. É, parece bobagem, não foi uma lição piegas, de falso moralismo, mas era uma forma de ver o mundo, de se inserir no mundo, e essa foi uma das imagens mais firmes que ficou dela na minha memória. Para um menino de doze anos, entrando na adolescência, foi muito significativo.

Nesta parte do Diário, ela conta um pouco da vida de seus filhos, netos e bisnetos. Isso interessa mais aos parentes, pois são questões familiares, nomes e trajetórias que só os da família identificam. Mas se pode extrair do Diário, trechos “curiosos”, como a afirmação sobre a “barba” do Romeu – o filho mais velho, sempre uma fonte de inspiração e de preocupação –, sua empolgação com as viagens e a preocupação com o estudo dos netos. Há uma dúvida sobre quem seria seu bisneto mais velho: Renato ou Rubens? Quem pode dizer qual foi a data de nascimento do Rubens? Eu nasci em abril de 1957.  

Vamos ao Diário.

Elisa e a neta Lúcia no Perequê

O Diário (parte X)

Setembro de 1959

O meu terceiro bisneto, filhinho da Elza já nasceu, chama-se Maurício, sendo que o primeiro tem o nome de Renato. O meu primeiro bisneto é filho da Neyde e chama-se Rubens Sergio. Já completou um ano.

Tenho ido todos os anos ao Rio onde passo dois ou três meses. No ano passado (1958) estive lá dois meses e regressei em julho afim de, com Dulce, Heraldo e Júnior fazer uma estação de águas em Araxá. No ano anterior, saí com Olga, Júlio e Neusa e fomos ao Chile, tendo passado uns dias em Buenos Aires e Bariloche. A viagem de Bariloche à Santiago do Chile é maravilhosa. Voltamos de avião, por cima da Cordilheira dos Andes, até Buenos Aires e daí até Santos, pelo navio Cabo de São Roque.

Elisa, Neusa, Olga e Júlio


Em maio deste ano (1959) fui ao Rio. Escolho sempre esta época do ano, por ser mais fresca. Terezinha estava esperando a chegada da cegonha e esta veio antecipadamente. Nos primeiros dias de junho ela não estava passando bem e o médico, tendo sido chamado, opinou por uma cesariana. De fato, no dia 5 ela foi operada e veio à luz do dia o seu filhinho [Lucio Júnior]. Nasceu pequenino, magrinho, mas atualmente está forte e gordo. Olga esteve lá este mês (setembro) e veio encantada. Estou ansiosa para vê-lo.

Olga e Júlio viajaram para o norte e, durante a sua ausência, fiquei em Santos fazendo companhia à Neusa. Neusa já está formada em Direito e fez, este ano, o curso de aperfeiçoamento do Normal. Muito estudiosa e inteligente, tirou o primeiro lugar e, portanto, cadeira prêmio.

Dácio está trabalhando em um banco; Heraldo está fazendo o 1º ano científico e Júnior está cursando o 1º ano primário. É muito levado e teimoso, mas é inteligente e está fazendo boa figura no colégio. Sylvia Heloisa está muito crescida, é uma menina bonita e está frequentando o 2º ano primário.

Marilisa passou para a 4ª serie ginasial, Cybele vai fazer preparatório para o ginásio e Nelson passou para o 3º ano primário. Todos bem encaminhados. Neyde vai bem, trabalhando sempre e cuidando do seu filhinho. Marina passou para o 2º ano do Normal. Futura professora. Romeu continua na fazenda e, até hoje, não resolveu tirar a barba. Lucio vai bem. Já é Tenente Coronel do Exército e é um ótimo dentista civil. Muito trabalhador e muito correto. Homero, sempre firme no Novo Mundo. É um bom genro e tem por mim uma grande estima. Júlio também é um genro muito querido e trabalhador.

Fevereiro de 1960
A vida continua. Eu tenho passado relativamente bem. Minhas pernas não me permitem mais fazer caminhadas. Doem muito e a dor é na barriga da perna. Disseram-me que todas os diabéticos estão sujeitos a essa dores. No dia 30 de janeiro fizemos o batizado do Lucinho. Eu fui madrinha e o Sr. Braga o padrinho. A reunião foi em Santo André e esteve muito concorrida.

Em abril, vou completar 77 anos e, nesse mesmo ano e mês, faço 27 de aposentadoria. Já vivi muito e estou preparada para a despedida deste mundo. Lucio e Terezinha estão passando as férias aqui. O menino (Lucinho) está um colosso! Muito gordo, corado, cheio de saúde e mansinho. É o encanto dos pais e nosso também. Lucio foi promovido a Coronel.

Romeu continua na fazenda e não vai muito bem de saúde. Olga está forte e continua trabalhando no serviço de tuberculose. Dulce, sempre às voltas com o Parquinho. Cid está bem colocado na Cerâmica Caetano e goza saúde. Julio e Homero, bons genros, cumpridores dos seus deveres. São para mim, verdadeiros filhos.

Elza está esperando, novamente, a chegada da cegonha. Vamos ver se desta vez vem uma menina.

Dácio continua trabalhando no banco e Heraldo passou para o 2º científico.

No fim de 1960 faleceu meu irmão Hermelino, com a idade de 82 anos. Hermelino foi um bom irmão. Cumpridor de seus deveres, educou os filhos, casaram-se 2 (Clóvis e Lourdes) e estes lhe deram uma porção de netos. Em 1966, faleceu Josefina, viúva de Hermelino.

Em 20 de setembro de 60, fui com Cid à Uberaba conhecer o terceiro filhinho da Elza. Está com 6 meses e chama-se Roberto. Elza está forte e os meninos, crescidos.

Lucio e Terezinha passaram uns dias em São Paulo. O Lucinho continua forte e está começando a andar e falar.

Em janeiro deste ano (1961) casou-se Neusa. Seu marido chama-se Francisco Tálamo, de nacionalidade italiana. É um bom rapaz. Muito meigo e trabalhador. Neusa leciona em Campo Grande, adiante de Sto. Amaro; mas tem esperanças de se colocar em Santos, mais tarde.

Dacio ficou noivo de Miriam no dia 30 de janeiro, dia do seu aniversário.

Estamos em julho, isto é, em agosto de 1961. Este ano, em maio, já estive no Rio de Janeiro, onde passei dois meses. Vim de avião, pois fui avisada que Dulce havia sido operada de uma trombose no reto. Encontrei-a ainda no hospital, mas estava passando bem. Agora está quase reestabelecida. Fomos: eu, ela e Júnior, passar as férias de julho em Poços de Caldas, nos hospedamos no Hotel Quisisana. (Continua).

Elisa e as netas Neusa, Lúcia, Elza, Neyde e Marina

Elisa e o bisneto Rubens

Elisa entre os bisnetos Maurício e Renato




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