Crônica de Renato Muniz B. Carvalho
Se há uma coisa polêmica sobre a
face da Terra — depois das preferências políticas e da escalação da seleção
brasileira — é o empréstimo de livros. O ser humano empresta tudo o que tem e, creio,
nesse ponto, os brasileiros são imbatíveis. Emprestamos roupa, carro, dinheiro,
uma xícara de açúcar, meio quilo de farinha de trigo, ovos, pó de café e por aí
afora. O que é um livro neste universo de coisas emprestadas!
Quando o item, cedido gratuitamente
e de forma temporária, retorna, o agradecimento é um capítulo à parte. É claro que
fica mais gostoso quando vem acompanhado de uma fatia de bolo e, talvez, de um convite
para tomar um cafezinho mais tarde. Nessas ocasiões, pode-se colocar a conversa
em dia, falar bem ou mal dos outros, reclamar de uma dorzinha no braço e trocar
uma receita deliciosa de torta recheada de palmito. Hum!
Ao longo da vida, já vi gente emprestando
sapato, casaco, óculos, ferramentas, caneta, celular… Dizem, mas eu não posso confirmar
a fonte, que uns e outros costumam emprestar marido, mulher e até cachorros. Já
pensou! Emprestar o bichinho de estimação, o xodó da família, é um ato extremo de
desprendimento, mas não me parece verossímil. Em todo caso, como tudo nesse país
se empresta, vamos admitir e abandonar o exemplo para não criar azedumes.
Dinheiro, quando as garantias são
boas e as condições bem-acertadas entre as partes, não costuma acarretar aborrecimentos.
Além disso, é batata, isto é, matemática: basta combinar os juros e a data de restituição
que ninguém pode reclamar, não é? Existem alguns dissabores no caso de recusa em
pagar, mas, se fosse ruim, bancos não teriam tanto lucro.
Complicado mesmo é emprestar livros.
Nunca se sabe se o exemplar vai retornar e em que estado. Tem livro que vai longe,
no sentido físico da coisa, de mão em mão é capaz de dar a volta ao mundo e o dono
nem ficar sabendo. O risco é não voltar nunca mais.
Pedir um livro emprestado é operação
tão delicada quanto pedir alguém em casamento. Se os compromissos não forem honrados,
amizades podem ser desfeitas, mágoas viram depressão, crises são desencadeadas.
Sempre tive muitas dúvidas sobre
o assunto. Emprestar ou não emprestar? Meu avô tinha um quadrinho na biblioteca
dele no qual estava escrito: “Livro emprestado, perdido, estropiado”. Por um tempo,
mantive uma caderneta, dessas que existiam nas antigas mercearias, onde eu anotava
o nome do comodatário, o título do livro, a data de saída e de retorno. Quando vi
que a coluna do regresso ficava em branco e muitos inadimplentes me olhavam amuados,
desisti de anotar. Joguei a caderneta fora. Satisfazia-me imaginar que, pelo menos,
alguém estaria lendo um livro. Nos tempos atuais, é melhor aumentar a quantidade
de leitores.
Crônica publicada no Jornal da Manhã: https://jmonline.com.br/novo/?paginas/articulistas,67
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