segunda-feira, 3 de novembro de 2014
Compadre Quinzote
Quinzote e família na Fazenda das Aroeiras- anos 1950
Segunda-feira, cedo, já programei meu dia,
minha semana, meu ano. Tudo pronto, combinado, sem surpresas. Parece perfeito!
O computador me ajuda, as duas agendas facilitam a organização das tarefas e compromissos
diários. Os telefones não me deixam faltar às reuniões, os lembretes que prego
no mural não me deixam atrasar os pagamentos, tento manter as contas em dia.
De carro,
se tudo estiver em ordem, num instante estou no trabalho. Abrir o portão, não
me esquecer das pastas com documentos, dinheiro, chaves, papéis, cartas,
memorandos, folhetos, livros e coisas que nem sei mais. Na rua, dirigir com
atenção. Fechar o vidro nos cruzamentos e torcer para que não me apareça
ninguém pedindo alguma coisa, vendendo uma bobagem qualquer. Se os semáforos
forem camaradas não me atraso e chego em tempo. Duro é agüentar as filas duplas
nas portas das escolas, as mamães preocupadas com seus filhos com cara de sono.
Manter a velocidade correta, obedecer os sinais, prestar atenção no carro do
lado.
Muita
gente se enfurece com a rotina. Muita gente gosta. Alguns se irritam quando
tudo é perfeito, bem organizado. Outros se irritam quando nada se encaixa. Para
uns parece que as coisas sempre funcionam, para outros parece que nunca
funcionam. Uns se incomodam com qualquer deslize, outros se incomodam com os
que não se preocupam com deslizes. Uns prezam as etiquetas, outros nem sabem o
que é etiqueta, a não ser aquelas dos supermercados. Como é complicada a vida
moderna!
Quando
o ritmo da vida moderna dá uma rasteira nos seres humanos, os estudiosos do
assunto dizem que é o estresse. O indivíduo fica triste ou eufórico, às vezes
tudo ao mesmo tempo. Fica cansado, não produz como o chefe quer, não compreende
a família, fica pessimista, adoece mesmo. Sua frio, acha que é gripe, toma
remédio sem receita, briga com todo mundo.
Alguns, no fim de semana,
voltam ao normal. São capazes de encontrar o eixo perdido e retornam às suas
atividades diárias. Muitos não conseguem e vão acumulando tensões, atritos e
frustrações que, mais tarde, vão cobrar seu preço, alto, por sinal. Não é
preciso ser médico ou psicólogo para perceber essas coisas acontecendo com a
gente ou ao redor de nós. Basta observar com uma certa atenção.
Eu conheci um homem que
descobriu um remédio e tanto para esse “problema”. Chamava-se compadre
Quinzote. Não era meu compadre, e eu nem sabia direito o que era um compadre.
Mas meu avô o chamava assim e nós, os meninos, também, sem cerimônia. Todos o
tratavam por “sêo” Quinzote, para nós era o compadre. Sentíamo-nos importantes.
No sábado, como não tínhamos aulas, podíamos sair com os adultos, ir à fazenda,
acompanhar os negócios. A primeira
parada, bem cedo, era na sua casa.
O fogão de lenha, quando
chegávamos, já estava aceso. Parecia que estava sempre aceso. Muito limpo,
encerado com vermelhão pela comadre, a lenha organizada do lado. O bule de café
fumegando sobre a trempe. Entrávamos meio tímidos, os cumprimentos de praxe, e
íamos direto para a cozinha, aquele era, sem dúvida, o cômodo mais aconchegante
da casa. As conversas giravam em torno de negócios, preço de gado, os
acontecimentos da semana, sem pressa.
Um dia, comentando o caso de
um motorista de caminhão que foi se entristecendo cada vez mais, emagrecendo,
perdendo o interesse pela vida, ele prescreveu: precisa tirar o sapato e
caminhar descalço sobre a terra. Procurar umas árvores, sentar no chão e ficar
um pouco quieto, só ouvindo o barulho do vento batendo nas folhas. É isso aí:
pés no chão e a presença do verde, sábios conselhos! Saudades do Compadre
Quinzote!
Esta crônica foi publicada no livro Crônicas Impertinentes (2008), antes em jornais locais e da região de Uberaba (MG).
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