Não vejo muita graça em comparar animais ou plantas e seres humanos. Cada um tem a sua especificidade, a sua originalidade, um jeito próprio de ser e existir. Acreditar que o que acontece com eles pode acontecer conosco é um tanto forçado, em todo caso... La Fontaine e Esopo que me perdoem.
Acontece que no meu jardim, nos últimos tempos, tenho observado a ação de umas formigas que não param de cortar as plantas. Já tentei conversar com elas, me explicar, convencê-las de que não devem cortar as flores do meu jardim, mas não adiantou, elas continuam cortando.
Até entendo que se não fosse esse seu gesto, esse seu modo de trabalhar, elas não sobreviveriam, afinal, todo mundo precisa comer. Aí vem outro problema: elas comem tudo, comem demais, querem rapar tudo, são insaciáveis! Não descansam enquanto não depilam uma ou duas arvorezinhas por completo.
Pensei em agir de modo radical. Iria numa loja de produtos agropecuários, compraria, com a devida receita agronômica, um tanto bom de veneno e acabaria de vez com todas as formigas. Pensando bem, resolvi deixar essa atitude de lado, o veneno poderia até me intoxicar, poderia contaminar meu jardim. Melhor seria buscar outra estratégia.
Outro dia pensei em arranjar umas cigarras e pedir a elas que cantassem para distrair as formigas, mas me lembrei que essas duas espécies não são muito amigas. Formigas gostam de cortar folhas, cigarras de cantar e, no passado, as formigas deixaram as cigarras padecerem de fome e frio no inverno.
Sei que, talvez, a culpa não seja das formigas, pois fomos nós que alteramos seu habitat e, a partir do desequilíbrio causado por nós mesmos, elas aumentaram muito. Seus predadores naturais, que poderiam ao menos controlar seu apetite, desapareceram, porque nós também os destruímos. Na verdade, não culpo todos os seres humanos, seria injusto da minha parte, pois nem todos são responsáveis pela degradação ambiental, nem todos são poluidores ou esbulhadores do patrimônio ambiental que, afinal, é de toda a humanidade.
Alguns são responsáveis, e muito pela destruição ambiental. Por um motivo ou outro, a mando de alguém ou visando seus próprios interesses, algumas pessoas põem fogo onde não devem, despejam resíduos tóxicos em rios limpos, jogam esgotos, ou deixam que joguem, em mares, lagos e córregos. Usam e abusam de produtos tóxicos, venenos, aditivos proibidos, não respeitam carências, mentem a esse respeito, burlam a legislação. Os atingidos nem sempre têm sequer o direito, ou o tempo, de se defenderem. Crianças e idosos, geralmente os mais frágeis, sofrem com a ganância e a fome de lucros de uns poucos. Aqueles que acobertam ou não fiscalizam são, de certo modo, cúmplices.
Enquanto isso, as formigas não desistem do meu jardim. Não sei se elas próprias sabem que, talvez, até elas fiquem sem ter o que comer no futuro. Se minhas arvorezinhas morrerem, não sei se planto outras.
Pensei nessa história toda por causa de uma declaração que vi num jornal. Um governador disse: “Não podemos abrir mão de nosso desenvolvimento. Hoje, de 25% a 28% de nossa área estão sendo utilizados para a agricultura ou para a pecuária. Podemos chegar até o percentual de 40% e iremos fazer isso”. (Jornal da Ciência, 6/08/04). O governador se colocava contra a proposta da SBPC de uma moratória no desmatamento da Amazônia. Proposta que não foi bem recebida por ele.
Aí me lembrei das fábulas. E me lembrei também daquela sobre os sócios do leão, que vou contar a seguir. Dizem que, há muitos anos, uma ovelha, uma cabra e um leão tornaram-se sócios. Um veado caiu numa armadilha da cabra e eles quiseram fazer a partilha da presa. O leão logo partiu a caça em quatro partes e disse: — eu fico com a primeira porque sou o rei, pego a segunda por direito, tomo a terceira por ser dos três o mais valente e, se alguém quiser a quarta, acabo com ele.
2 comentários:
Veia infantil a flor da pele.
Gostei. Sabe que vc está em crescimento?
Ótimo texto Renato!
Sabe que às vezes sinto que nós é quem somos as formigas? E o irônico é que o veneno que pode nos matar é produzido por nós mesmos.
Um abraço
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