sexta-feira, 26 de março de 2010

Tomates contaminados


Renato Muniz Barretto de Carvalho


Adoro tomates. Os bem vermelhos, os verdes, os grandes, os pequenos, nas saladas, nos molhos, fritos, recheados e até em receitas que ainda não experimentei.


Infelizmente, junto com os pimentões, morangos e batatas, é um dos alimentos mais contaminados por agrotóxicos no Brasil. Esses alimentos, tão saudáveis e necessários, são contaminados por substâncias tóxicas durante o processo de produção e, às vezes, no preparo e manipulação.


Apesar de o Brasil possuir uma legislação que proíbe o uso de alguns produtos tóxicos na agricultura, que regulamenta quantidades, que estabelece carências e outros procedimentos para tornar os alimentos mais seguros para o consumo humano, nem sempre as recomendações são seguidas. O maior prejudicado é o consumidor, que consume produtos contaminados por venenos altamente tóxicos, danosos à saúde humana. Prejudicados também são os trabalhadores que manipulam esses produtos sem a devida proteção. E o meio ambiente.


No ano passado, em abril, a ANVISA, órgão do Ministério da Saúde, divulgou uma pesquisa sobre contaminação de alimentos no Brasil. Muitas amostras analisadas apresentaram problemas. Alguns produtos estavam com índices elevados de contaminação, dentre eles o pimentão, a uva, o morango e a cenoura. Na ocasião, o ministro Temporão chegou a declarar que iria cortar o pimentão de sua dieta.


O ministro tem feito um bom trabalho à frente do Ministério da Saúde, mas ao invés de cortar o pimentão de sua dieta, ele devia, isto sim, fazer gestões e desenvolver políticas públicas para cortar os agrotóxicos definitivamente de nossos alimentos. Os efeitos seriam mais eficazes e os ganhos em termos de qualidade de vida e saúde bem maiores. Como médico ele deve saber disso.


O governo federal até que tem feito sua parte, mas ainda de forma tímida. Tem incentivado a produção e o consumo de produtos orgânicos, mas falta muita coisa. Falta, sobretudo, desvendar melhor as relações políticas e sociais envolvidas na produção de alimentos, as relações predatórias existentes entre a agricultura e as grandes empresas produtoras de venenos e outros insumos. Precisa impedir a fragilização dos pequenos agricultores e proteger o consumidor interno. Falta fiscalizar melhor e denunciar o uso intensivo de venenos na produção de alimentos. Denunciar o vínculo entre os interesses agroindustriais e o desmatamento. Essas questões andam sempre juntas: questões sociais, políticas e ambientais. É bom lembrar que não há uso responsável de agrotóxicos. Responsabilidade é não usar.


O assunto é polêmico, é antigo, e muita tinta, saliva e papel já foram gastos para se tentar resolver o problema. Denúncias graves, apreensões de produtos, alterações nas fórmulas, produtos vencidos e, no entanto, o país continua na lista como um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. A última denúncia, feita em março de 2010, vem de um grupo de fiscais que percorreu várias plantações de tomate no interior de São Paulo. Foram encontradas inúmeras irregularidades: trabalhadores sem equipamentos de proteção, péssimas condições de moradia, jornada excessiva de trabalho, condições precárias de armazenamento e manuseio de agrotóxicos, dentre outros pontos graves. Trabalhadores foram flagrados pulverizando lavouras sem nenhuma proteção, adolescentes trabalhando, o que é proibido nesse tipo de lavoura, agrotóxicos misturados sem nenhum critério, uso de venenos de forma ilegal. Boa parte dessas plantações abastece a grande São Paulo.


Isso confirma a idéia de que a degradação ambiental caminha passo a passo com a degradação do trabalho, da pessoa. Quem não respeita um não costuma respeitar o outro.


E como fica o molho à bolonhesa da macarronada de domingo? Deixaremos de consumir tomate? Como fica a saúde? Nem se pode dizer que tudo vai terminar em pizza, pois vai faltar o molho de tomate.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Livros e estradas

Renato Muniz Barretto de Carvalho


Como eu gosto muito de livros, acabo comparando eles a tudo quanto há. Algumas comparações são óbvias, outras nem tanto. Livros combinam com quase tudo. Talvez isso explique a sensação que tenho de que os leitores são mais flexíveis, mais questionadores. Fuçam mais.


Fuçar é uma dessas palavras pouco usadas que às vezes a gente encontra pelo caminho. Dessas que não se acham em qualquer dicionário. Relaciona-se com focinho, nariz, fuça. Daí para o verbo fuçar foi um pulo. Entendo que é o ato de buscar, de escarafunchar, de descobrir o que há por baixo do solo, o que está escondido e precisa ser revolvido, mostrado, revelado. Estamos de acordo?


Quem viaja vai atrás de alguma coisa, busca algo. Viaja a negócios, parte em busca de oportunidades, de parentes, de amigos, procura lazer, descanso, diversão, conhecimento, cultura. O viajante é um eterno descontente, um permanente descobridor, portanto um fuçador.


O leitor também. Ele fuça, descobre histórias, se diverte, desvenda emoções, tristezas, alegrias e infindáveis sentimentos, paisagens e situações. Percorre estradas desconhecidas, vivencia circunstâncias inusitadas. Perde-se, descobre, se confunde, questiona.


Muitos não gostam de experimentar essa comiseração, preferem o abrigo, a segurança, o estável, a rotina. Quem viaja está sujeito ao imprevisto, às interrupções do caminho, às mudanças do clima e de rumo. O leitor também. Alguns não agüentam o suspense e pulam páginas, querem chegar logo ao final. Outros levam anos lendo um único livro, saboreando a estrada, longas estradas. Sempre sujeitos ao inesperado.


O que um viajante vai encontrar pela frente? Nem sempre se sabe quando a estrada é boa ou ruim, bem conservada ou péssima, cheia de buracos. Não se sabe quais serão os percalços do caminho. E a leitura? Pode-se perguntar: vou gostar deste livro? Desta crônica? O que ela tem a me dizer? A mesma coisa com a estrada, com um roteiro escolhido. Quem viaja nem sempre encontra conforto, água fresca, comida boa e roupa lavada. A leitura, igualmente, nem sempre se apresenta pronta, acabada. Daí a sensação de que, numa adaptação moderna de uma frase do filósofo Heráclito de Éfeso, nunca passamos pela mesma estrada duas vezes, assim como nunca nos banhamos na mesma água de um rio. Tudo flui, se movimenta e está em constante mudança. Experimente ler o mesmo livro duas, três vezes! Você ou o livro nunca serão os mesmos.


Livros são estradas que se abrem para a mente e para o coração. São lugares a serem explorados, como quem admira uma paisagem. Imagine um viajante num belvedere olhando um vale, uma cadeia de montanhas, um rio caudaloso ou um riozinho escondido no meio de uma densa mata, um monumento arquitetônico, uma festa popular, um show folclórico.


Livros e estradas se confundem e se misturam nas descobertas. Ler um livro é deixar um caminho sempre aberto, é se permitir percursos novos, é admitir caminhar por estradas desconhecidas. Ler um livro ajuda a saborear melhor a vida, é como fazer uma grande viagem.


domingo, 7 de março de 2010

Para decifrar o futuro

Renato Muniz Barretto de Carvalho

O futuro nos engana direitinho. Quando nós pensamos que o alcançamos, ele dá um salto para frente e foge de nós. Muitos não desistem nunca deste jogo de pega-pega, de perseguição incansável, outros vão ficando pelo caminho. É que dá um trabalho danado tentar entender o futuro e seus joguinhos, seus truques. Isso mesmo, o futuro usa de artimanhas para não se deixar alcançar.

Talvez seja perigoso alcançar o futuro. E se alguém quiser aprisioná-lo e controlar seus passos? Seria uma tragédia. Por isso, o futuro está sempre à nossa frente. Mesmo assim, mesmo sabendo disso, estamos sempre correndo, procurando desvendar seus mistérios, tentando nos antecipar.

São várias as maneiras de tentar chegar perto do futuro. Existem os métodos tradicionais, e, dentre eles, as adivinhações. É uma verdadeira tentação, raros são os que não caem nessa. Vira e mexe e dizemos algo assim: “já sei o que vai acontecer”. E quando acontece alguma coisa que suspeitávamos que fosse acontecer, a gente diz: “eu sabia”. Será que sabia mesmo? Qual o segredo? Qual o método?

Existem também os procedimentos mágicos. Por exemplo, ler pedrinhas, interpretar os búzios, decifrar conchinhas. Uns gostam de ler as mãos, a testa, o olhar. Outros jogam cartas, jogam baralhos ciganos, tentam ler o que dizem as folhas de chá no fundo da xícara, não saem de casa sem consultar horóscopos.

A leitura do tempo, do clima, é rica em exemplos. A pessoa olha para o céu e diz: “vai chover”, ou então: “teremos dias muito quentes daqui para frente”. Nem o calo do Sr. Antônio e nem a certeza quase religiosa da Maria, dois conhecidos meus, que adoram observar o vôo rasante dos pássaros e as aranhas construírem ou desmancharem suas teias, garantem os acertos. Quando a Maria observa algum sinal significativo, ela corre até o varal de roupas e recolhe tudo e depois fecha todas as janelas. Mas nem sempre acerta e volta com a roupa para o varal, torna a abrir as janelas.

Fora do terreno místico e das adivinhações, existe a ciência dita exata. Existem os cálculos, as certezas científicas, o método racional. No caso das previsões do tempo, existem os satélites, a meteorologia, a climatologia, as previsões matemáticas. No caso da saúde, existe a medicina preventiva, o saneamento básico, as vacinas. A engenharia trabalha com modelos, com computadores avançadíssimos. Mas nada disso é infalível. É claro que uma boa dose de bom senso já seria suficiente para prevenir muita coisa desagradável e danosa à saúde e ao bem estar. Mas o bom senso varia de pessoa a pessoa, é algo cultural. Nem sei se compreendo bem a ciência moderna e seus rituais.

Não se deve negar o conhecimento científico, muito menos as sensações que certas pessoas dizem experimentar, mas o desejo impulsivo de saber o futuro pode obscurecer qualquer tentativa válida. O futuro é mais forte, mais rápido, mais persuasivo, mais prenhe de possibilidades.

Restam-nos poucas alternativas: prepararmos-nos para as surpresas que o futuro reservar, se é que isso é possível, ou reabrir os oráculos.